São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Quando Lassie ganhou do Gremlin

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os comentários sobre as premiações do Oscar são como as festas de entrega do Oscar: sempre iguais. Este não será diferente, sorry.
Uma vez mais, não houve surpresas. (Já escrevi isto no ano passado e também no retrasado.) A tradição, como de hábito, prevaleceu. (Devo ter escrito a mesma coisa em 1992.) Mas antes de ir em frente, uma ressalva: ao menos na categoria figurinos o inusitado aconteceu. O vencedor, "Priscilla, a Rainha do Deserto", não é filme histórico, como os concorrentes. Sua realeza é de outra espécie. E mais: sua figurinista não tem sobrenome italiano. Ao privilegiar as drag queens, a Hollywood deu um prêmio de consolação aos gays, que certamente torciam pelo candidato cubano ao Oscar de melhor filme estrangeiro e, por "esprit de corps", pelas vitórias de Jodie Foster e Nigel Hawthorne.
Não vi o vencedor estrangeiro, "Revelações de uma Bola de Fogo", que, contrariando a regra das premiações na categoria, dizem ser bom. Mas, como todo mundo, não consigo entender as ausências, nesse grupo, de "A Fraternidade É Vermelha" e "A Rainha Margot". Para não falar do canadense "O Gênio e Excêntrico Glenn Gould em 32 Curtas".
Ano passado, o espanhol Fernando Trueba amorteceu o impacto de sua premiação com um chistoso agradecimento a Billy Wilder. Anteontem, o russo Nikita Mikhalkov, autor e ator de "Revelações...", limitou-se a comentar que sua filha, também no filme, foi a atriz que menos trabalho lhe deu até hoje. A platéia riu, por delicadeza. Como se vê, até o humor baixou de nível este ano.
Apesar do reinado de Débi & Lóide, não era para baixar. Afinal, o grande homenageado da noite era a comédia, talvez uma evidência de que a Academia estava disposta a brindar, ainda que de modo transverso, o centenário do cinema. Não foi a comédia o primeiro gênero a se firmar nas telas?
O grande vencedor, por sua vez, foi uma comédia. Do jeito que os americanos apreciam: gentil, esperançosa, sem a corrosividade de Voltaire, Preston Sturges e Woody Allen (Forrest Gump é uma mistura de Cândido com Zelig e o fraudulento personagem de Eddie Bracken em "Herói de Mentira").
A meu ver, também o melhor concorrente da noite, "Pulp Fiction", era uma farsa. Irresponsável, violenta (sobretudo com as normas de bom comportamento narrativo), mas, cá entre nós, muito divertida. E inventiva.
"Pulp Fiction" seria um portento de agressividade mesmo que lhe tirassem todas as cenas de tiros, porradas e sangue. Bastariam a violência das suas palavras e a impudência dos seus lero-leros. Forrest Gump é Lassie —Quentin Tarantino é gremlin. A Academia nem precisava premiar "Pulp Fiction" para reconhecer a importância do cinema independente.
Aliás, foi nele que despontou "Hoop Dreams", o mais injustiçado filme da noite. Seria pule de dez entre os documentários. Mas esqueceram de indicá-lo. Dirigido por três formandos da Universidade de Illinois, Steve James, Frederick Marx e Peter Gilbert, descreve os sonhos de dois jovens negros de Chicago de brilhar no basquete. Os críticos adoraram. A TNT já pensa em refilmá-lo como ficção. Não é só Voltaire que inspira Hollywood. Lavoisier também.

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