São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Empresário analisa futuro da comunicação

ANNIE KAHN
DO "LE MONDE"

As novas tecnologias representadas pela superinfovia vão transformar a maneira pela qual nos comunicamos, de modo mais radical do que o telefone fez no passado. É o que diz Bill Gates, fundador da Microsoft, nesta entrevista exclusiva.
Elas vão possibilitar o exercício da democracia direta, rompendo as barreiras nacionais, e permitirão que os indivíduos divulguem suas idéias de uma maneira que hoje só os donos de emissoras de televisão podem fazer.
Mas Gates afirma que os direitos de autores e criadores serão protegidos.

Pergunta: Sr. Gates, os políticos, de Washington a Bruxelas, falam sobre a revolução que prevêem será provocada pela superinfovia. O sr. concorda que as novas tecnologias vão revolucionar a sociedade?
Bill Gates: Sim, embora eu não goste do termo superinfovia para descrever uma montagem de partes que precisam trabalhar em conjunto. Ela vai operar uma transformação radical na maneira em que nos comunicamos, mais radical do que a transformação provocada pelo telefone. Vai transformar a maneira pela qual aprendemos e vai permitir que dialoguemos com pessoas que compartilham nossas preocupações, não importa quão longe elas possam estar. Vai transformar a maneira pela qual votamos e vai possibilitar a democracia direta. As pessoas poderão se sentir mais como cidadãs do mundo. As fronteiras nacionais perderão sua importância. Teremos acesso mais livre ao conhecimento de toda a humanidade. Teremos liberdade para divulgar nossas próprias idéias —liberdade essa que hoje está ao alcance de muito poucas pessoas: aquelas que controlam as redes de televisão.
Pergunta: O sr. parece estar convencido de que novas aplicações serão desenvolvidas nos próximos dez anos, como a carteira eletrônica (chip que substituiria o dinheiro), telas grandes e planas e sistemas de reconhecimento de voz. Por que o sr. vê com tanto otimismo a difusão de aplicações que ainda se encontram em processo de desenvolvimento técnico?
Gates: É preciso acompanhar a dinâmica de cada tecnologia. Os microprocessadores estão evoluindo de maneira muito previsível. Sabemos exatamente quem está trabalhando neles e onde, e em que ponto estão... Você pode ver com ceticismo o desenvolvimento rápido de um pequeno número de tecnologias que requerem milhares de novos programas de software. Porque, quando isso acontece, ocorre o problema da inércia: os software só "pegam" realmente quando o hardware atinge uma massa crítica suficiente, e vice-versa. O CD-ROM enfrentou esse problema.
Os sistemas de reconhecimento de palavras já estão funcionando bem para um determinado vocabulário específico. Eles se beneficiaram consideravelmente das melhoras na rapidez e na memória dos computadores. Quanto às telas muito grandes, o problema é o preço. Tecnicamente, já sabemos como fabricá-las. Dez anos nos deixam bastante tempo para isso.
Pergunta: Se tantos avanços podem ser feitos em uma década, por que seu software "Windows" não permite que um PC seja tão fácil de usar quanto um Macintosh?
Gates: Não sei se a diferença entre eles é tão grande assim. As pessoas usam computadores para uma aplicação específica: para escrever uma carta ou desenhar um gráfico. Em ambos os casos, os programas necessários ("Word", para processamento de textos, e "Excel", para gráficos) são exatamente iguais no "Windows" e no Macintosh.
Pergunta: Como criadores, pintores ou músicos podem proteger seus direitos quando suas obras ficam disponíveis a todos através da superinfovia?
Gates: É mais fácil proteger seus direitos na superinfovia do que em qualquer outro lugar. Se alguém quer ouvir uma canção dos Beatles armazenada em um banco de dados, o sistema vai verificar para que o pagamento necessário seja feito. A canção será transmitida em partes, de modo que será impossível você guardá-la em seu computador. A mesma coisa se aplica a um filme —ele será decodificado trecho por trecho. Podemos impedir as pessoas de armazená-lo em forma digital.
Num mundo onde existem cópias físicas de obras, pode-se copiá-las aos milhões sem que ninguém perceba o que você está fazendo. Você pode vender clandestinamente uma cópia ilícita de uma canção dos Beatles, numa viela escura. Mas, na rede informatizada, se uma pessoa transmitiu uma canção, isto é, uma grande quantidade de informação, a milhares de estranhos a quem nunca antes havia enviado informações, isso pareceria dúbio —porque a rede observa tudo o que passa por ela.
Você não poderá dizer que não sabe como se tornou negociante ilícito ou terrorista. A mesma coisa acontecerá na rede. A rede poderá tomar todas as medidas possíveis para assegurar a proteção da privacidade das pessoas.
Pergunta: As infra-estruturas atuais de telecomunicações garantem uma base suficiente para a superinfovia?
Gates: Na maioria dos países, basta deixar por conta do mercado. Empresas privadas farão os investimentos necessários. A coisa se complica um pouco nos países em que existe um monopólio das telecomunicações.
Pergunta: O sr. criou, com Craig McCaw, uma empresa para desenvolver uma rede de transmissões por satélite. O sr. tem um acordo com a operadora americana a cabo TCI, outro com a Sony, e o sr. criou uma empresa, a Corbis, para adquirir os direitos a quadros, pinturas etc. Não é exatamente uma estratégia focalizada.
Gates: Com McCaw, é um investimento pessoal de US$ 5 milhões. Eu o fiz porque Craig McCaw é amigo meu. Essa infra-estrutura vai custar cerca de US$ 300 bilhões. É muito dinheiro. Nem a Microsoft nem minha fortuna pessoal poderiam financiar sequer uma parte significativa disso. A Corbis também é um investimento pessoal.
Com a Sony, temos exatamente o mesmo relacionamento que temos com a Compaq ou com a Intel. Não tenho participação em qualquer uma das duas. Mas definimos juntos as especificações técnicas e construímos juntos os modelos-piloto. Com a TCI é um pouco diferente, porque ela é dona de 20% da Microsoft On Line. A TCI é uma operadora a cabo muito poderosa, e queremos trabalhar em cooperação muito próxima com ela.
Pergunta: O que o sr. faria se os tribunais americanos mandassem que fragmentasse a Microsoft, como fizeram no passado com a AT&T?
Gates: Nenhum tribunal jamais usou essas palavras —apenas a imprensa as usou.
Pergunta: Mas o juiz Sporkin parece estar muito interessado em ver sua empresa perder parte de seu poder.
Gates: Mesmo o juiz Sporkin nunca usou essas palavras. A audiência que deveríamos ter com ele foi cancelada devido à apelação registrada pelo Departamento de Justiça e por nós. É possível que nunca mais voltemos a ver o juiz Sporkin.
Pergunta: Jean-Louis Gassée, o ex-nº 2 da Apple, sugeriu em um artigo publicado no jornal francês "Libération" que para acabar com todos seus problemas legais o sr. poderia simplesmente colocar o "Windows" no domínio público.
Gates: O ponto chave é que os consumidores provavelmente querem que o "Windows" seja aperfeiçoado. E me desculpe, mas acho que sou um capitalista de certa espécie. E acho que certos incentivos são necessários para melhorar os produtos e assim ajudar a sociedade a progredir. Colocar o "Windows" no domínio público seria ruim para o consumidor.
Pergunta: O sr. é o homem mais rico dos Estados Unidos. O que faz o sr. funcionar?
Gates: O que eu possuo faz parte da Microsoft. Nesse ramo de trabalho, se você pára, você morre. Você é substituído rapidamente. Teu tamanho ou participação no mercado jamais irão te proteger. A IBM é um exemplo famoso disso. É claro que as pessoas que trabalham para a Microsoft há bastante tempo já juntaram dinheiro suficiente para satisfazer todas suas necessidades —especialmente uma pessoa como eu, que não acredita que se tenha que dar dinheiro aos filhos. Mas eu amo meu trabalho. Tenho grande sorte por poder trabalhar com algumas pessoas excepcionais.

Tradução de Clara Allain

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