São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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A universidade competitiva

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

Ao iniciar um processo de avaliação objetiva da qualidade dos cursos superiores, com a exigência de exames ao final de cada curso, o governo FHC promove uma reforma tão simples quanto extraordinária das universidades brasileiras: começa a transformá-las em universidades competitivas.
A MP que estabeleceu a exigência de exames finais ministrados pelo MEC representa o início de uma reforma decisiva, ao permitir que as escolas superiores sejam avaliadas e sua avaliação seja conhecida por toda a sociedade.
Os formandos serão avaliados individualmente, mas a nota obtida não será condição para a concessão do diploma —só constará de seu histórico escolar. O objetivo é avaliar a qualidade dos cursos e tornar pública a avaliação, de forma a estabelecer uma sadia competição entre os cursos superiores do país.
O melhor sistema de ensino superior do mundo é o norte-americano. Não apenas porque das universidades norte-americanas saem a grande maioria dos prêmio Nobel ou porque o nível de suas pesquisas e publicações é altíssimo. Mas também porque estudantes de todo o mundo o reconhecem: o número de alunos estrangeiros em universidades americanas é impressionante. O ensino norte-americano é uma bem-sucedida indústria de exportação do país.
São dois os segredos dessa alta qualidade. O primeiro está na total autonomia financeira e a completa flexibilidade administrativa das universidades, que são todas instituições públicas não-estatais. Algumas são chamadas "privadas", quando suas finanças são em parte baseadas em rendas patrimoniais; outras "estaduais", quando contam com recursos orçamentários importantes dos Estados da Federação e oferecem taxas escolares subsidiadas aos residentes do Estado. Mas nenhuma é estatal, nenhuma conta com funcionários públicos ou está sujeita aos rígidos regulamentos da administração pública.
O segundo segredo, tão importante quanto o primeiro, é a competição. As universidades norte-americanas, através dos seus departamentos, são incrivelmente competitivas e é isso, e não a exigência formal de concursos, que garante a excelência do ensino e da pesquisa. De acordo com o princípio básico de uma administração moderna, o controle se realiza não através da exigência de processos rígidos, mas da avaliação dos resultados.
Todos os cursos são avaliados, por meio de avaliações externas e independentes, e os resultados são publicados em jornais e revistas. As famílias têm acesso às avaliações e podem escolher as escolas que querem para seus filhos.
Além disso, as fundações e o próprio governo utilizam esse conhecimento para decidir sobre concessão de auxílios ao ensino e à pesquisa. Em consequência, as universidades são levadas a uma competição permanente, buscando sempre ter os melhores professores e pesquisadores em seus quadros, exigindo forte carga de trabalho de seus alunos.
No Brasil a idéia da competição interuniversitária é praticamente desconhecida. Cada universidade estatal é um pequeno feudo, um monopólio burocrático do saber, com um nível de ensino e pesquisa que deixa a desejar. Todo o controle acadêmico está baseado exclusivamente na formalidade dos concursos, que geralmente são meros ritos de passagem. Boa parte das escolas superiores privadas são de nível baixíssimo. Nada contribuem para a pesquisa e oferecem um ensino precário.
Com o exame final obrigatório, estabelecem-se as bases para uma mudança. O Brasil, porém, não é os Estados Unidos. Por isso os concursos continuarão necessários. Por outro lado, como não é possível contar com um sistema de avaliação externa informal disseminada, o governo precisa promover a avaliação.
As reações cartoriais e corporativas, entretanto, não se fizeram esperar. Provenientes, inclusive, das boas universidades. Ninguém quer ser avaliado externamente, mas todos se declaram solenemente favoráveis. Em seguida, entretanto, começam os "mas". "Mas será que um exame final é um bom método?" "Mas não seria melhor discutir mais?" "Mas não seria melhor um projeto de lei em vez de uma MP, que tem um vezo autoritário?" "Mas quem vai fazer o exame?" "Mas como fazer exame final para disciplinas cujo currículo não é, nem pode ser, precisamente definido?" E há quem tenha o desplante de argumentar contra o exame em nome da autonomia universitária!
Não há dúvida de que haverá dificuldades, mas era urgente intervir. Sem dúvida serão necessários exames suficientemente gerais para cobrir a variedade necessária dos currículos e não há dúvida de que esta não será a única avaliação a ser realizada. A avaliação via exame, porém, pode ser colocada em vigor em tempo relativamente curto, e exige lei para se tornar obrigatória.
O exame final obrigatório é um enorme passo no sentido de uma universidade melhor para nossos filhos, mais competitiva, em vez de cartorial. Uma universidade que busque a excelência comparando-se com as demais, com seus próprios critérios internos de excelência, mas que reconheça nas outras universidades competidores pelo prestígio acadêmico e pelo apoio da sociedade a qual servem.
"Mas de que adianta para o aluno e sua família saber que a escola ou a universidade que cursou é ruim depois de tê-la cursado? Não é melhor, evitar, antes, o mal?" É claro que seria. Mas o controle a priori é ineficiente.
A forma moderna de obter bons resultados é garantir liberdade às organizações e controlar "a posteriori" os resultados alcançados, através da avaliação. O controle "a priori" —o controle dos processos— esse sim é burocrático, autoritário, além de ineficiente.
É a forma adotada no Brasil do passado. Resulta no descontrole e no desperdício. É um sistema de esconder ou disfarçar a incompetência e o mau desempenho, incompatível com o Brasil novo que os brasileiros querem construir com Fernando Henrique Cardoso.

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