São Paulo, sábado, 1 de abril de 1995
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Mercado editorial descobre bolsa de apostas

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O inchaço do mercado de arte nos anos 80 se repete no mercado de livros nos anos 90. Adiantamentos autorais, direitos de tradução e leilões literários chegaram a valores inéditos no Brasil e em diversos países nos últimos meses.
O escritor Paulo Coelho foi quem bateu no Brasil o recorde de adiantamento: recebeu US$ 300 mil pela publicação, em novembro passado, de "Maktub".
Na Inglaterra, o adiantamento pago a Martin Amis por seu novo romance, "The Information", também inédito, foi anunciado em fevereiro passado e provocou polêmica entre seus conterrâneos: US$ 500 mil (leia texto à pág. 5-3).
Na França, o recorde pertence agora não a um escritor francês, mas a um inglês de origem árabe, Salman Rushdie, que em janeiro recebeu US$ 450 mil por um romance ainda sem título.
Nos EUA, onde literatura já é "high business" há mais tempo, os valores são muito maiores. No final de 1994, anunciou-se que Ken Follet recebeu adiantados US$ 15 milhões por três livros.
Mesmo assim, o recorde americano continua de John Grisham, que pelo último romance, "The Chamber", teve em 1994 um adiantamento de US$ 7 milhões. E os livros dele costumam depois ser adaptados para cinema ao custo de US$ 5 milhões.

Confiabilidade
Adiantamentos -as quantias pagas aos escritores para começar a escrever um livro, correspondentes a uma projeção das vendas deste- são considerados índices confiáveis da evolução de um mercado, mas nem sempre o valor deles corresponde matematicamente a um sucesso prévio de vendas.
Amis, por exemplo, recebeu os US$ 500 mil da Random House mais a título de "compra de passe", como no futebol.
Poucos editores e especialistas acreditam que, mesmo com todo o marketing envolvido, apenas a venda de "The Information" vá compensar financeiramente o adiantamento. Os livros de Amis costumam vender não mais que 150 mil exemplares cada.
O mercado literário mundial, de fato, está com ares de mercado de derivativos -aquele que, em fevereiro, levou à falência o banco inglês Barings, depois de arrojadas apostas em bolsas asiáticas.
Também no setor de livros, cada vez mais, aposta-se em acontecimentos num futuro financeiramente distante (um ou dois anos) e difícil de avaliar. Compram-se livros que não foram escritos e cujos autores são novatos, mas novatos com posse de temas "quentes" (leia texto à pág. 5-3).
No Brasil, segundo os editores ouvidos pela Folha, os adiantamentos podem dar uma idéia da profissionalização e do potencial do mercado editorial.
"O Brasil está descobrindo a literatura como um bom negócio", diz Paulo Rocco, editor da Rocco, que publica Paulo Coelho. "E ainda há muito para crescer."
Esse crescimento é demonstrado não só por adiantamentos cada vez mais polpudos, mas também pelos valores que estão sendo pagos por direitos de tradução de obras por aqui, em frequentes leilões.

Profissionalismo
Quanto aos adiantamentos a autores nacionais, a expectativa é que o recorde de Paulo Coelho seja batido em breve -provavelmente, claro, por ele mesmo.
Segundo o escritor, os US$ 300 mil que ganhou adiantados por "Maktub" são um valor até modesto para um autor de seis best sellers que já venderam 4 milhões de livros no país e 2 milhões no exterior e viraram peças, filmes e histórias em quadrinhos.
O mago de vendas brasileiro só tem menos leitores, entre os escritores latino-americanos, do que o colombiano Gabriel García Márquez, cuja carreira é 30 anos mais antiga que a sua.
"Pelo que eu vendo", disse Coelho à Folha, "eu teria direito a um adiantamento de US$ 1 milhão por livro novo, tranquilamente." Ele diz que só não cobra essa quantia porque prefere que a editora invista melhor na publicidade de cada livro seu.
Num indício do grau de profissionalismo que usa ao negociar seus produtos, Paulo Coelho faz constar do contrato com a Rocco o quanto a editora vai aplicar no marketing de cada livro. A Folha apurou que é um valor pouco inferior ao do adiantamento.

Evolução
A profissionalização está permitindo a um número crescente de escritores receber quantias para que possam, inclusive, bancar as pesquisas de seus livros.
É o caso, por exemplo, de Fernando Morais e Ruy Castro. Morais, autor de "Chatô", recebe, além do adiantamento, uma bolsa mensal. Castro, autor de "O Anjo Pornográfico", se recusa a receber adiantamento; prefere a bolsa.
Bolsa ou adiantamento, trata-se de quantias pagas antes de o livro começar a ser escrito. Autores como Lair Ribeiro, Danusa Leão, Rubem Fonseca, Jorge Amado, Amyr Klink, Chico Buarque, Rachel de Queirós, Alberto Dines e Zuenir Ventura também estão entre os que recebem quantias superiores a US$ 30 mil.
Há autores de sucesso que não querem adiantamento, como Fernando Sabino, porque acham desestimulante. Mas são bem mais raros. "Hoje todo mundo recebe adiantamento", diz Rocco.
E hoje os escritores bem-sucedidos desfrutam também de uma "escala de royalties", isto é, um plano de evolução da porcentagem a que têm direito sobre as vendas, numa faixa de 10% a 20%, de acordo com o resultado delas. Digamos: se o livro vende de 15 a 20 mil exemplares, o autor recebe 15%; de 20 a 25 mil, recebe 16% -e assim por diante.
Claro que esses autores são exceções. A maioria dos escritores brasileiros ainda recebe adiantamentos de menos de US$ 3.000, pois não vende mais que 3.000 exemplares, a tiragem usual de um livro no país. Mas a quantidade de exceções aumenta a cada ano.
E cada vez são mais diversificados os motivos que levam uma editora a pagar adiantamentos significativos. Fora o sucesso de vendas, eles podem ser um autor novato, mas de renome em outras áreas (caso do apresentador de TV Jô Soares, que escreve romance para a Companhia das Letras); e um tema em destaque na mídia, o que ainda é raro no Brasil.

LEIA MAIS
sobre mercado editorial à pág. 5-3

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