São Paulo, sábado, 1 de abril de 1995
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Desgaste em alta velocidade

JAQUES WAGNER

Todo governo começa com um determinado crédito de confiança, que deriva da legitimidade que lhe foi conferida pelas urnas. É preciso no entanto ter claro que este crédito não é inesgotável e que ele começa a ser gasto no primeiro dia do mandato. A velocidade do desgaste decorre das virtudes ou defeitos do governo.
É preciso, por outro lado, considerar que também a oposição é detentora de legitimidade conferida pelas urnas e que sua função é fiscalizar, apresentar alternativas, fazer oposição. Até na Inglaterra é assim. Ela também representa uma parte da sociedade. Engana-se portanto quem pensa que os eleitores, em outubro, escolheram um rei.
Eles elegeram um presidente da República para governar dentro de regras previamente estabelecidas. Antes de estacionar sobre um resultado eleitoral do passado, o governo precisa fazer face aos desafios do presente, sob pena de cair num saudosismo ineficaz.
A oposição tem cumprido seu dever. Chamou a atenção para os perigos da sobrevalorização do real e apontou o perigo da abertura descontrolada do mercado. Aparentemente o governo ouviu estas advertências. Tanto é que desvalorizou o real e adotou medidas destinadas a dificultar as importações.
Ao ouvir a oposição, talvez o governo tenha alongado nosso percurso rumo ao México. Claro, quando chamou a atenção para aqueles problemas, a oposição não recomendou as trapalhadas cometidas por importantes membros do governo no episódio da desvalorização do real.
No capítulo da contrareforma, parece evidente que o governo está sem rumo. Antes de apresentar uma proposta de reforma tributária, necessidade reconhecida por todos, se lança na aventura da quebra dos monopólios estatais estratégicos, procurando assim abreviar a distância que nos separa do desastre mexicano.
Em matéria de previdência, o Executivo enviou um projeto de reforma cheio de
inconstitucionalidades, que preserva determinados privilégios, agride direitos adquiridos e muito provavelmente não fará a unidade de sua própria base parlamentar de apoio.
Sob pressão da oposição, de diferentes setores da opinião pública e das entidades
representativas dos trabalhadores, o governo dá sinais de que vai recuar. No que diz respeito à legislação ordinária, insiste no abuso das MPs, o que abastarda o Congresso Nacional.
Alguns têm reclamado dos protestos de rua. Esse tipo de reclamação é rigorosamente
inaceitável. Quando nos batemos pela democracia não era apenas com o objetivo de inscrever princípios democráticos na Constituição. O objetivo era conquistar o direito de exercer a democracia. Por mais que isso possa parecer estranho a certos nobres, o exercício da democracia também ocorre em ruas nem sempre frequentadas por lordes.
Prosseguindo nesse ritmo, o governo pode contar com uma oposição cada vez mais aguerrida e volumosa, ciente de que não precisa pedir licença para praticar a democracia.

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