São Paulo, segunda-feira, 3 de abril de 1995
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Os padrões da ciência

CAETANO ERNESTO PLASTINO
EDITORA DA UNESP, 185 PÁGS.

R$16,00

Alan Chalmers, em A Fabricação da Ciência, desenvolve e rearticula as idéias expressas em seu livro anterior What is this thing called science? (Open University Press, segunda edição, 1982). Seu principal intuito é mostrar em que consiste o estatuto epistemológico distintivo da ciência. Para tanto, Chalmers critica inicialmente a visão positivista de que a ciência pode geralmente ser caracterizada através de métodos e padrões de pesquisa universais e imutáveis. É preciso reconhecer, insiste Chalmers, que os métodos e padrões utilizados na construção e avaliação científicas são historicamente contingentes e revisáveis ao longo do tempo. Por exemplo, houve época em que se exigia que os princípios fundamentais da ciência fossem verdades imediatamente evidentes. Posteriormente, com o uso sistemático do método experimental, tornou-se cada vez mais clara a importância na ciência dos instrumentos (como o telescópio) e do experimento controlado em testes intersubjetivos que permitem julgar o apoio empírico emprestado às teorias científicas. Assim, ocorreu uma substituição do objetivo da certeza absoluta pelo requisito de um constante aperfeiçoamento e desenvolvimento das hipóteses falíveis da ciência.
Por outro lado, a negação de que o método científico seja universal e a-histórico não implica uma forma mais radical de relativismo cognitivo ou irracionalismo. Segundo Chalmers, a mudança de métodos e padrões na ciência pode ser racionalmente justificada, desde que tal mudança torne mais provável a realização da meta de ampliar o conhecimento científico, de fazer novas descobertas. No entanto, essa análise de Chalmers enfrenta certas dificuldades se for admitida a possibilidade de alteração das metas atuais da pesquisa científica. Uma alternativa, não explorada por Chalmers, seria abandonar a concepção hierárquica da racionalidade científica (objetivos \> métodos \> teorias) e adotar um modelo reticulado, como proposto por Laudan, em que se interligam, por relações de dependência mútua, as suposições epistemológicas, metodológicas e fatuais das ciências empíricas.
A seguir, Chalmers apresenta vários exemplos históricos do processo científico de objetivação dos resultados de observação e medida, em que se efetuam testes de acordo com procedimentos rotineiros e padronizados. Chalmers examina especialmente o significado e a relevância das observações telescópicas de Galileo. Ele mostra que embora as observações das luas de Júpiter estejam impregnadas de pressupostos teóricos, seus resultados suportam com êxito uma ampla variedade de testes práticos e objetivos. Assim entendida, "a objetividade é uma realização prática" (p. 71) que, com dificuldades, pode muitas vezes ser obtida na ciência (em especial, na física). Chalmers salienta, contudo, que a observação científica objetiva é passível de erro e não contitui "uma base empírica segura e irretocável para a ciência" (p. 83).
Por meio de instrutivos exemplos históricos, Chalmers investiga também a produção e a aceitação (ou rejeição) de resultados obtidos através de experimentos científicos realizados em situações físicas artificiais. Em resposta à objeção de que os resultados experimentais não servem ao teste objetivo de teorias porque eles próprios encerram teorias, Chalmers argumenta que "embora os detalhes de um arranjo experimental, assim como o significado associado aos resultados, dependam do julgamento do experimentador orientado pela teoria, uma vez ativada a aparelhagem, é a natureza do mundo que determina o posicão de um ponteiro numa escala, os cliques do contador Geiger, as cintilações numa tela e assim por diante" (p. 98).
Na discussão sobre a objetividade e a racionalidade da ciência, Chalmers questiona incisivamente as pretensões epistemológicas do programa forte de sociologia da ciência de submeter o conteúdo e a natureza do conhecimento científico a uma explicação sociológica. Não há dúvida de que freqentemente o conhecimento científico tem origens sociais e sofre influências externas que proporcionam oportunidades a serem exploradas em proveito de uma classe social. Entretanto, no âmbito da justificação, "os méritos de uma teoria devem ser avaliados independentemente da psicologia, da classe social e de outras características dos que a propõem" (p. 126). Nesse sentido, Chalmers realiza um detalhado exame de dois estudos de caso sociológicos (sobre a teoria estatística e a mecânica newtoniana) para fundamentar sua conclusão de que "a ciência, seus métodos e técnicas de progresso podem e devem ser compreendidos internamente em função de sua meta geral de produzir conhecimento, mais do que em função de outras finalidades ou interesses" (p. 127). A esse respeito, Chalmers esclarece que distinguir o objetivo de produzir conhecimento científico não significa separar a prática científica de outras atividades que servem a objetivos diferentes, nem implica que o objetivo da ciência seja um bem absoluto que deva sobrepor-se aos demais.
No final do livro, o autor inclui um interessante apêndice relativo à contribuição de Ptolomeu aos estudos do fenômeno da refração. Como antes, sua exposição é lúcida, rica em informações históricas sobre a ciência e, de forma competente, introduz a discussão de questões fundamentais para a compreensão do pensamento científico.

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