São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Síndrome da 'otoridade' é questão cultural

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A síndrome da "otoridade" de nossos apitadores tirou Amoroso do jogo desta noite contra o São Paulo. O craque foi expulso no dérbi campineiro simplesmente porque deu vida ao espetáculo, marcando um gol e confraternizando-se com a sua torcida. Tomou amarelo, que, somado ao segundo, amareleceu o espetáculo de domingo e o desta noite.
Já no Pacaembu, o juiz argentino teve a sensibilidade de perceber a intensidade e grandeza do gesto de Marcelinho, na hora do primeiro gol, e, simplesmente, respeitou sua emoção, para, em seguida, mandá-lo recolocar a bandeirinha no seu devido lugar, quase com reverência. No fundo, é uma questão cultural mesmo.

Há muitos anos, folheando a coleção da "Gazeta Esportiva" do saudoso cronista Mauro Pinheiro, fixei-me em 1955, o ano em que o Santos ganhou o primeiro título paulista, preâmbulo da maior fase vivida por um time brasileiro em toda a sua história. Isso aconteceu dois anos antes de Pelé. E o jornal reservava, a esse time, até o jogo final, uma modesta chamada no cantinho à esquerda, ao pé da primeira página. Os espaços nobres, manchetes etc., eram ocupados pelo trio de ferro -Corinthians, Palmeiras e São Paulo. Até então, o Santos só tinha em seu currículo o título de 35.
Pois bem, naquele time destacavam-se dois jogadores, dois irmãos, nascidos no Guarujá e que tiveram destinos distintos: Ramiro e Álvaro Valente. Ramiro, sei lá por que fados, foi parar no Fluminense, enquanto Álvaro, talvez por preguiça, simplesmente atravessou o canal e ficou no Jabaquara. Ambos se reencontraram na Vila.
Ramiro era um meia que foi para a lateral-direita. E, se tivesse recusado a proposta do Atlético de Madrid, que o levou para a Espanha antes da Copa de 58, por certo teria deixado Djalma Santos e De Sordi na reserva. Depois de Carlos Alberto Torres, foi o mais eficiente e elegante dos nossos laterais pela direita.
Álvaro rivalizava em estilo com Beckenbauer e Van Basten, para ficar com duas figuras ainda reconhecíveis. Mas fazia o papel de Hideguth, o centroavante húngaro da legendária seleção de 54. Podia jogar com a 8, a 9 ou a 10, com igual desenvoltura. Aliás, não foram poucas as vezes em que vestiu a número 5, num tempo em que essa camisa era a mais nobre de uma equipe.
Lembro dos irmãos Valente e me surge a dúvida se Pagão, o maior ídolo do Chico Buarque, também não veio da ilha do Guarujá. Desconfio, mas não juro.
Alto, espigado, como os irmãos Valente, não revela a técnica daqueles, muito menos o brilho de Pagão. Mas é um artilheiro nato que também sabe servir seus companheiros.
Mesmo assim, como a sua Lusa líder, ocupa um modesto espaço nos jornais, ao pé das páginas esportivas. Será um sinal?

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