São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Tão Longe, Tão Perto' vomita moralismo piegas

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Wim Wenders fez seu primeiro filme sobre anjos ("As Asas do Desejo", 1987), não imaginava que fosse acabar chafurdando no mesmo universo celestial que escritores como Paulo Coelho e Monica Buonfiglio.
A culpa não é sua. Pensava em Frank Capra. Wenders é cineasta, e não vidente, embora sua auto-imagem venha se tornando cada vez mais mística -e complacente.
Em "Tão Longe, Tão Perto" (1993) essa complacência ultrapassa todo o bom senso (e o senso do ridículo) que lhe restasse. Wenders deixa bem claro desde o início que os anjos são a representação, a metáfora, do cinema e, por tabela, do próprio cineasta.
Desde o primeiro plano, a câmera se identifica com o olhar do anjo voando sobre Berlim (um ponto de vista subjetivo-celestial), equivalente a uma imagem pura, uma espécie de nostalgia do cinema mudo e de um mundo mítico onde predominasse a bondade e todos vivessem em harmonia.
São os próprios anjos os primeiros a proferir os clichês mais piegas em relação à perda de um mundo idealizado da inocência, à decadência e perdição do mundo de hoje: "As pessoas estão cercadas de mentiras... cada vez mais imagens... e com os corações e ouvidos tapados para nós".
Antes, o cinema de Wenders era observador, descritivo, voyeur. Não entrava na cabeça dos personagens, apenas registrava seus gestos e tirava disso sua maior força dramática. Estava interessado no visível, em criar uma imagem do mundo, o que fez com inegável talento em obras-primas como "O Amigo Americano" e "No Decorrer do Tempo". Agora, quer também o invisível, e os anjos servem para invadir a cabeça dos personagens e vomitar um moralismo piegas a partir do que vêem e ouvem.
Sendo os anjos representações do próprio cineasta, quando ele os filma rindo, chorando, se emocionando, está filmando a si mesmo, e acaba caindo numa espécie de narcisismo complacente: "Somos os mensageiros... e a mensagem é o amor...", diz uma dessas criaturas a certa altura. Como o cineasta, estão ali para fazer com que as pessoas "vejam seu mundo através de nós".
Não é mais a busca de uma emoção verdadeira que move o cineasta, mas uma idéia artificial e melosa de emoção, baseada numa crença alucinada na harmonia e na bondade. A moral do filme é: "O mundo está perdido". O mínimo que se pode dizer é que Wenders envelheceu mal.

Filme: Tão Longe, Tão Perto
Diretor: Wim Wenders
Elenco: Nastassja Kinski, Bruno Ganz, Otto Sanders e Willem Dafoe
Distribuidora: LK-TEL Vídeo (tel. 011/825-5766)

Texto Anterior: Spike Lee volta ao cotidiano em 'Crooklyn'
Próximo Texto: 'Sereias' trata erotismo com naturalidade
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.