São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
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Encargos sociais no Brasil e Argentina

JOSÉ PASTORE

A literatura sobre flexibilização do trabalho tem dado uma grande ênfase aos países da Europa. De fato, nos últimos dez anos, eles deram passos decisivos nesse campo.
Os fatos mostram, porém, que a flexibilização está chegando perto do Brasil -geograficamente. A Argentina acaba de aprovar a "Lei da Flexibilização do Trabalho para as Pequenas e Médias Empresas - Pymes".
A Pymes, sancionada em 15 de março de 1995, se aplica às empresas de até 40 empregados -hoje responsáveis por 60% do emprego- e estabelece o seguinte:
1) O período de experiência, até então inexistente, passou a ser de 180 dias, prorrogável por acordo ou convenção coletiva. Nesse período, as empresas passarão a recolher menos encargos sociais.
2) O 13º salário, que era pago em duas parcelas, passou a ser pago mensalmente, na base de 8,33% da remuneração, sem encargos sociais.
3) A indenização de dispensa, que era de um salário por ano de firma até o máximo de três salários, passou a ser de meio salário, mantendo-se o mesmo teto.
4) A jornada de trabalho, que era de oito horas diárias e 48 semanais, passou para até 12 horas diárias, desde que a média semanal se mantenha em oito horas diárias.
5) Os prêmios por assiduidade e produtividade, que eram direitos adquiridos, passaram a ser concedidos de acordo com o desempenho das empresas e a critério delas.
6) As empresas que entrarem em processo de reestruturação poderão suspender os efeitos dos acordos e convenções coletivos e renegociar outros.
Esse avanço na flexibilidade do trabalho completou a "Lei do Emprego", aprovada em 1994, cujo objetivo era o de estimular a geração de empregos legais nas Províncias menos desenvolvidas através de uma redução de encargos sociais de até 50%.
É bom mencionar que os encargos sociais legais na Argentina são da ordem de 60%, enquanto que no Brasil são de 102% -diferença que decorre, fundamentalmente, do tratamento dado a descanso semanal, dispensa, férias, feriados e jornada de trabalho nos dois países.
Ao contrário do Brasil, o descanso semanal dos trabalhadores da produção na Argentina não é remunerado. A indenização de dispensa é proporcional ao tempo de serviço até o limite de três salários, mas não existe FGTS. As férias são progressivas, sendo de 14 dias para quem tem até cinco anos de firma, enquanto que no Brasil são de 40 dias desde o primeiro ano, quando se computam as férias e o abono. A Argentina possui cinco feriados remunerados, enquanto que o Brasil tem 12 -no mínimo. A jornada de trabalho argentina no setor industrial é de 48 horas por semana, em contraste com a do Brasil, que é de 44.
Com a Pymes e com a Lei do Emprego, os 60% mencionados caem para cerca de 50% -em média. Com isso, a Argentina flexibiliza a contratação, facilita o emprego legal e eleva os ganhos mensais.
A legislação argentina abriga quatro modalidades de contrato de trabalho com menos encargos sociais, especialmente para os jovens em fase de formação e para os trabalhadores de meia-idade que têm dificuldade de reentrar no mercado de trabalho. O Brasil tem, na prática, apenas um tipo, no qual se pagam 102% de encargos sociais inegociáveis.
Somos um país de tudo ou nada. Ou contratamos com todas as proteções no mercado legal, ou contratamos sem nenhuma proteção no mercado ilegal, que já atinge 55% dos trabalhadores. Carecemos de formas intermediárias para contratar com menos encargos sociais ou para negociá-los.
Em suma, enquanto o mundo se flexibiliza, o nosso sistema se mantém rígido e caro. As prometidas reformas que redundariam na desregulamentação trabalhista e na redução dos encargos sociais não foram sequer encaminhadas ao Congresso Nacional. O tempo está passando e o Mercosul está tomando corpo. Vale a pena levar isso em conta.
É irônico constatar, finalmente, que o sistema brasileiro, ao remunerar fins-de-semana, férias longas, feriados e dispensas, estimula mais o descanso do que o trabalho. Esse é o resultado da cultura do "garantismo legal" tão disseminada neste país. Ela tem um preço: as proteções se aplicam a uma minoria declinante. É isso que queremos para a nossa juventude?

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