São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
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Jack Kerouac volta à cena e ao cinema

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

Foram necessários 38 anos, uma crise econômica e um presidente vacilante para que os EUA redescobrissem o escritor Jack Kerouac. E não apenas Jack, mas também os remanescentes de sua geração.
Kerouac é quem chega pela porta da frente. O cineasta Francis Ford Coppola inicia, ainda este mês, a produção de "On the Road" -"Pé na Estrada", na tradução brasileira lançada pela editora Brasiliense-, versão para o cinema do segundo romance publicado pelo escritor, em 1957.
O romance é o responsável pelo termo "beat" (expressão que tentava rotular uma geração de jovens que buscavam uma saída à emergente sociedade de consumo dos anos 50) e pelo lançamento de jovens escritores e poetas.
"On the Road" é um projeto de Coppola desde o tempo em que era um estudante de cinema na Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles.
O diretor descobriu o livro na universidade, quando o movimento hippie florescia e alguns universitários descobriam a arte da carona -a principal ação cometida pelos personagens de Kerouac.
Segundo John Ornatz, que trabalha na área de produção da American Zoetrope/Vanguard Films, a produtora de Coppola na cidade de San Francisco, o projeto ainda tem muitas indefinições.
Em entrevista à Folha por telefone, ele confirmou o início da produção para este mês, mas confessou não poder dizer qual o grande estúdio que participará do projeto ou os nomes no elenco. "Não podemos afirmar nada. Só o nome do filme, 'On the Road', e o roteiro preparado pelo escritor Michael Herr e Coppola."
A verdade é que no mês passado a Zoetrope fez seus primeiros testes para o elenco. Em anúncio publicado nos jornais de Nova York, a produtora procurava atores iniciantes e exigia que todos recitassem trechos do livro.
Como resultado, várias livrarias da cidade tiveram seus estoques de "On the Road" esgotados. E o que mais chamava atenção dos vendedores era que a maioria não sabia nada sobre seu autor e nem pronunciar o nome Kerouac.
Jean-Louis Lebris de Kerouac nasceu no dia 12 de março de 1922, em Lowell (Massachusetts). Escreveu 15 romances e oito livros de poemas (seu único livro em catálogo no Brasil, além de "On the Road", é "O Livro dos Sonhos", pela L&PM) e estabeleceu as linhas básicas, ainda que a contragosto, da contracultura americana.
Morreu em outubro de 1969 de uma hemorragia estomacal, amaldiçoando o LSD e qualificando o movimento hippie como um "complô comunista". Segundo Ginsberg, seu grande amigo ao lado de Burroughs, Jack sempre teve uma faceta fascista.
Para mostrar que não estava mentindo, forneceu grande parte do material para que Ann Chartes, biógrafa de Jack, pudesse lançar no mês passado "Selected Letters: Jack Kerouac" (Viking Books).
O livro é um apanhado das cartas do escritor. Não apenas para Ginsberg e Burroughs, mas também para Neal Cassady, amante de Ginsberg e o homem que Jack transformou no principal personagem de seus livros. E com quem também dividiu uma mulher.
Cartas nunca antes publicadas e que terminam por macular o que, se imaginava, era uma história de amizade e literatura entre jovens autores (leia trecho abaixo).
O Kerouac das cartas se parece menos com um aventureiro do que com um homem inseguro de seu talento e invejoso do sucesso alheio. Um dos mais atingidos é Ginsberg, de quem jamais aceitou a homossexualidade e o comportamento politicamente liberal.
Mas se Kerouac retorna como lembrança seus companheiros se mostram bem mais atuantes. Burroughs acaba de lançar "My Education: A Book of Dreams" (Viking, US$ 21,95), sobre o material que mais corpo deu à sua literatura: os sonhos.
Ao mesmo tempo chega ao mercado o CD "The Priest, They Called Him", em que Burroughs recita enquanto Kurt Cobain, líder do grupo Nirvana que morreu no ano passado, toca guitarra. Ainda no mercado de CDs, Ginsberg aparece com "Holy Soul Jelly Roll", caixa em que ele recita e canta ao lado de Bob Dylan.

LEIA MAIS
sobre Ginsberg e Burroughs à pág. 5-3

(CARTA)
"Para Allen Ginsberg
3 de outubro de 1952
Isto é para notificar você e todos os outros sobre o que penso a seu respeito... Meu coração sangra todas as vezes que olho para "On The Road". Eu vejo agora porque ele é tão maior e você o odeia. Você é mesmo alguém que odeia tudo. Nunca mais fale comigo, nunca o verei outra vez. O tempo mostrará, seu tolo, que o grande assunto da poesia é a morte. Então morra... morra como um homem e mantenha sua boca fechada. Me deixe em paz. Não escureça minha vida.
Extraído de "Selected Letters: Jack Kerouac"

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