São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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Os portais da insanidade

ITAMAR SERPA

Um determinado segmento da classe média parece carregar consigo a vocação para o confronto. E fazem questão de deixar isto bastante claro, quando apoiam e elegem políticos que prometem colocar as Forças Armadas no combate à criminalidade. Os resultados pífios da atuação militar no Rio de Janeiro, e o consequente recrudescimento da violência, demonstram claramente que este não é o caminho certo. Mesmo assim, seguem optando por soluções imediatas e inócuas, como se fosse possível empurrar para debaixo do tapete 32 milhões de brasileiros vivendo em miséria absoluta.
Tento entender tal insensibilidade, e só encontro resposta na psique coletiva dessa faixa da sociedade, que nos subterrâneos de suas consciências se culpam pela concentração de renda ocorrida a partir da Marcha com Deus pela Família e pela Propriedade.
Agora, propõe-se o "apartheid", com a colocação de portais separando bairros ricos do resto da cidade. Se posta em prática tamanha truculência, nada impediria de termos portões na entrada e na saída do túnel Rebouças, no Aterro do Flamengo, em Santa Tereza, em todos os bairros da cidade. Existe, porém, uma outra interpretação desta iniciativa, que pode perfeitamente embutir intenções mais verdadeiras. Amanhã, em nome da segurança, poderão estar cercadas todas as favelas cariocas, confinando definitivamente seus moradores. A continuar esse ritmo, salvem-nos da loucura e da insanidade pregadas por alguns saudosistas do regime de força.
O inimigo não está apenas na parte inferior da pirâmide. São tão responsáveis pelo quadro de violência que assola o país o especulador que arrebenta com as nossas reservas cambiais, quanto qualquer governo que se subjugue às exigências da comunidade financeira internacional, que vem arrasando a economia de países como o México e a Argentina.
O hiato político que vivemos a partir do golpe militar de 64, período em que o Brasil se endividou ainda mais, deu origem aos grupos de extermínio, à época chamados de esquadrões da morte. Compostos basicamente por policiais, corroeram de maneira irreversível estas instituições.
É função do poder público coibir qualquer ato de violência. Particularmente, sou favorável a que se acabe com esta excrescência jurídica criada pela ditadura chamada réu primário, que dá o direito a qualquer um de praticar ao menos um crime e não ir para a cadeia. Precisamos colocar nas prisões os assassinos ao volante, os maridos que matam as esposas, o corrupto e o corruptor. O melhor caminho para acabar com a violência é recuperar a nossa capacidade de se emocionar. Não é possível encontrar respostas para esta crise, se não nos sensibilizarmos para a situação trágica de milhares de famílias que sobrevivem catando lixo nos aterros metropolitanos das grandes cidades. Quando tivermos esta clareza, estaremos amadurecidos e encontraremos o caminho certo para viver com segurança.

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