São Paulo, sábado, 8 de abril de 1995
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Artesã de 78 anos luta para progredir

AZIZ FILHO

Aos 78 anos, a mineira Henriqueta Ananias de Sousa, moradora da favela do Chapéu Mangueira, no Leme (zona sul do Rio), quer subir na vida.
Nos próximos dias, ela começará a fazer potes e outros objetos de argila para vender e complementar a pensão de viúva, de R$ 115.
"Se fizer a coisa direito e um pouquinho de propaganda, sou capaz de melhorar de vida", disse Henriqueta, na manhã da última quinta-feira.
Henriqueta nasceu em 1917 em Varginha (MG), de onde saiu com 19 anos para ser empregada doméstica e morar na casa dos patrões, em Ipanema (zona sul).
Só parou de dormir no serviço quando se casou, há 50 anos, com o pedreiro Ulisses, morto em 1978 de embolia pulmonar.
Ela não conhece a origem dos seus antepassados. Lembra-se da avó materna, Marta, "grande, gorda e forte", que a influenciou como religiosa. "Sou católica, apostólica e romana", diz.
Filha de camponeses, há 12 anos Henriqueta voltou a Varginha para rever os parentes com Lourenço Lúcio, 48, o mais velho e único de seus sete filhos interessado em conhecer a história dos antepassados.
"Sempre quis fazer isso, mas antes tenho de acabar a casa", diz Lourenço, que começou há 15 anos a construir uma casa que hoje tem 73 m2, com dois quartos. Faltam janelas e portas.
Lourenço é funcionário público federal (salário de R$ 400), compositor e intérprete de samba, carnavalesco, dançarino, pintor e, nas horas vagas, pedreiro. Mora com a mãe, uma irmã e três sobrinhos.
Filho e mãe têm concepções diferentes sobre as razões das condições sociais inferiores do negro.
"Ontem eu estava pensando nisso. Por que será que os negros sempre levam a pior? Aí me lembrei da Benedita e do Pelé. Eles tiveram coragem de competir com os brancos. O medo é um obstáculo para o negro", diz Henriqueta.
Ela recusou um convite para expor suas peças de argila no Japão, há 13 anos, porque "tinha de cuidar da casa, dos netos".
O filho atribui as dificuldades dos negros a "padrões de comportamento errados, feitos por brancos". Segundo ele, "quem tem padrão errado faz tudo errado".
"O negro tem outro caminho e deve se voltar para a cultura. Se não encontrar o que vai dentro de si, será sempre marionete", diz.
Ele acha que falta união aos negros. "Nossa tribo se encontra no samba, no futebol, nos cultos e depois se dispersa."

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