São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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O problema era fazer Wojtyla aceitável

TAD SZULC

A eleição de um papa não-italiano resolvia o impasse entre as alas representadas pelos cardeais italianos
(continuação)
Após duas contagens de votos na segunda-feira de manhã, nenhum papa havia sido escolhido e, mais uma vez, fumaça negra saiu da chaminé da Capela Sistina, para desapontamento das dezenas de milhares de fiéis que aguardavam na praça São Pedro. Sem saber o que acontecia lá dentro, a multidão ficava cada vez mais tensa e preocupada. Mas quando se sentaram para almoçar, os cardeais haviam finalmente decidido que iriam escolher um estrangeiro. A pergunta ainda era: "Quem?
Mas a primeira votação da segunda-feira à tarde -a sétima do conclave- não rendeu a vitória de Wojtyla. Ele ainda não atingira os mágicos 75 votos. Mais fumaça negra. O cardeal Krol havia convencido os americanos, e o cardeal Joseph Ratzinger, o teólogo alemão conservador, havia angariado os votos dos alemães, que na manhã daquele dia haviam se negado a escolher o polonês. O brasileiro Lorscheider, o argentino Pironio e Bernardin Gantin, do Benin, mobilizaram os votos latino-americanos e africanos. Mas a maioria dos italianos ainda negava a Wojtyla seus 25 votos, e o resultado permanecia em dúvida quando os cardeais se prepararam para a segunda votação daquela tarde.
O problema era fazer com que Wojtyla fosse inteiramente aceitável a todas as facções da Igreja, e isso evidentemente exigia um esforço considerável de último minuto. Nas palavras do cardeal Enrique y Tarancón, "não procurávamos um conservador ou um progressista, mas uma pessoa 'certa' alinhada com o Concílio Vaticano 2º. Não era em termos ideológicos. Ademais, Wojtyla era um bispo pastoral, fato que era vital.
O cardeal Eugène Tisserant, de barba branca, deão do Colégio Cardinalício, fez a convocação para a oitava votação pouco após as 17h. A tensão no interior da Capela Sistina era insuportável; muitos temiam um impasse insolúvel sobre a questão italiana, que mergulharia a Igreja numa crise profunda. Kõnig disse que "havia uma tensão enorme o tempo inteiro.
Nesse momento aconteceu o fato que mudou os rumos. O cardeal Sebastiano Baggio, o poderoso prefeito italiano da Congregação de Bispos, decidiu apoiar Wojtyla, e foi seguido por um número justamente suficiente de recalcitrantes cardeais italianos. Enquanto os votos eram lidos pelos contadores, os cardeais anotavam os números em seus blocos. Kõnig, sentado diretamente à frente de Wojtyla, recorda que "quando o número de votos para ele se aproximou de metade (do total necessário), ele colocou seu lápis de lado e sentou-se reto. Seu rosto estava corado. Depois disso, segurou a cabeça nas mãos.
Kõnig continuou: "A impressão que tive foi que ele estava completamente confuso. Depois chegou o número da maioria final. Ele tinha dois terços dos votos, mais um...
Quando a votação chegou a 94 para ele -17 cardeais se recusaram a aceitá-lo- Wojtyla se abaixou sobre a escrivaninha e começou a escrever furiosamente.
Às 18h18, o cardeal Tisserant anunciou na capela que Karol Wojtyla, de Cracóvia, fora eleito pontífice da Igreja Católica Romana. O cardeal Villot, o camerlengo (cardeal que chefia a Igreja enquanto se escolhe um papa), aproximou-se de Wojtyla para lhe perguntar, em latim: "Em concordância com a lei canônica, o senhor aceita?
Wojtyla não hesitou. "É a vontade de Deus, respondeu. "Aceito.
Os cardeais irromperam em aplausos. O cardeal Enrique y Tarancón resumiu, mais tarde, o que acabara de acontecer na Capela Sistina: "Deus nos forçou a romper com a história para eleger Karol Wojtyla.
Na parte dos fundos da capela, o fogão de Cesare Tassi expeliu fumaça branca para o mundo. Ela anunciava que um papa havia sido escolhido, mas sua identidade não foi levada a público naquele momento. O suspense tomou conta da praça São Pedro, enquanto a noite caía.
Assumindo o nome de João Paulo 2º -em sinal de respeito a seu predecessor-, Karol Wojtyla se tornou o 263º sucessor de São Pedro, o 264º Papa de sua Igreja e com isso o chefe de 700 milhões de católicos apostólicos romanos, a maior e mais antiga instituição religiosa do mundo.
Como papa, também se tornou "bispo de Roma, vigário de Jesus Cristo, sucessor de São Pedro, príncipe dos apóstolos, sumo pontífice que tem a primazia de jurisdição e não apenas de honra sobre a Igreja Universal, patriarca do Ocidente, primaz da Itália, arcebispo e metropolita da Província romana, soberano do Estado da Cidade do Vaticano, servo dos servos de Deus. Ele seria tratado como "sua santidade o papa, ou, mais informalmente, como "santo padre.
Aos 58 anos e meio (quase exatamente), o forte e atlético cardeal polonês era o papa mais jovem desde 1846 e, é claro, o primeiro estrangeiro desde 1523. E João Paulo 2º não perdeu tempo para demonstrar aos cardeais e ao resto do mundo que seria um papa de tipo muito diferente.
A primeira viagem do papa foi um sucesso pessoal inequívoco, em termos de opinião pública latino-americana e mundial. Ela foi grandemente auxiliada pela televisão, que estava se tornando um dos instrumentos mais poderosos do pontificado de João Paulo 2º. Ele parecia haver nascido para aparecer na televisão. No México, que na época não tinha relações diplomáticas com a Santa Sé, milhões de pessoas foram às ruas aplaudi-lo, esquecendo a antiga tradição anti-clerical mexicana.
Quando o avião italiano do papa (com uma comitiva completa de imprensa a bordo) aterrissou primeiro em Santo Domingo -a cidade mais antiga da ilha de Hispaniola, onde Cristóvão Colombo desembarcara em sua primeira viagem de descoberta das Américas- João Paulo 2º, uma figura com ar de santo, vestido de branco, deixou o mundo que o assistia atônito, ao ajoelhar-se no asfalto do aeroporto para beijar o chão.
Ele o faria toda vez que visitasse um novo país, enquanto fosse fisicamente capaz de fazê-lo, como marca registrada espiritual das viagens do pontífice.
(continua)

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Trechos da biografia do papa à pág. 24

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