São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Papa articulou a abertura da Polônia

TAD SZULC

Derrubada do comunismo no país exigiu negociações mais complicadas do que no resto do Leste Europeu
(continuação)
João Paulo 2º aterrissou em Varsóvia na manhã de 2 de junho de 1979, oito meses exatos depois de sair da Polônia, ainda como cardeal Wojtyla, para o conclave no Vaticano, e a partir do momento em que se ajoelhou para beijar o solo polonês no aeroporto de Okecie, ele viveu nove dias de êxtase.
Pelo menos dez milhões de poloneses (de uma população de 35 milhões) o viram em pessoa nas nove cidades e santuários a que ele compareceu, orou e discursou diante de multidões.
O país explodira em cores: bandeiras polonesas brancas e vermelhas e bandeiras papais brancas e amarelas estavam por toda parte, e retratos de um Wojtyla sorridente enfeitados com flâmulas papais pareciam estar em todas as janelas no caminho de suas carreatas. Suas visitas atraíram as maiores multidões da história da Polônia.
Enquanto o regime comunista em Varsóvia "digeria a visita de João Paulo 2º à Polônia com relativa serenidade, os sinais de alarme tocavam em alto volume em Moscou e a liderança soviética ordenou uma campanha mundial ultra-sigilosa em escala inusitada contra o novo papa, o Vaticano e as políticas dos dois.
A campanha foi desencadeada não apenas pela visita do papa à Polônia -contra a qual Brejnev aconselhara o líder comunista polonês Eduard Gierek em janeiro- mas também pelo que o Kremlin via como as atividades "perigosas e "agressivas da Igreja Católica em todos os países comunistas, incluindo a União Soviética, e em outros países sob o comando de João Paulo 2º.
Segundo documentos obtidos em meados de 1994 dos arquivos do Comitê Central do Partido Comunista Soviético, em Moscou -e nunca antes revelados-, o Secretariado do Comitê Central aprovou, no dia 13 de novembro de 1979, uma "Decisão de Trabalhar Contra as Políticas do Vaticano em Relação aos Estados Socialistas, em seis pontos.
Um desses pontos previa a "mobilização dos partidos comunistas da Lituânia, Letônia, Ucrânia e Belarus (repúblicas soviéticas com populações católicas romanas e ortodoxas significativas), da agência de notícias Tass, da televisão estatal soviética, da Academia de Ciências "e outras organizações... do Estado soviético para lançar "propaganda política contra as políticas do Vaticano.
Outro ponto era dirigido especificamente à KGB. Ele instruía a agência do serviço secreto a "divulgar nos países ocidentais que as políticas do Vaticano" eram "prejudiciais e "sobretudo, mostrar que nos Estados socialistas as políticas do Vaticano" iam "contra a vida da Igreja Católica. A KGB foi orientada a "mostrar que a liderança do novo papa, João Paulo 2º" era "perigosa para a Igreja Católica. Isto deveria ser feito "através de canais especiais nos países ocidentais e através de publicações nos países socialistas.
Acabou a KGB tentando, sob essas ordens, matar o papa? Investigações relacionadas ao atentado de maio de 1981 levaram anos. Elas não produziram conclusões convincentes sobre supostas conspirações dos serviços secretos soviético e búlgaro. Em 1992, um novo estudo da CIA admitiu a impossibilidade de obter respostas satisfatórias. (...)
João Paulo 2º voltou à Polônia em 6 de junho de 1987 para uma visita de uma semana, em sua terceira peregrinação pontifical. No início desse ano ele já havia viajado ao Uruguai, Chile e Argentina, e à Alemanha. Desde sua visita à Polônia em 1983, ele havia estado duas vezes na Ásia, quatro vezes na América Latina e uma vez na África, além de uma viagem ao Canadá, uma à Índia e seis a países da Europa Ocidental.
Embora sua presença na Polônia já tivesse deixado de ser novidade, ainda era motivo para uma explosão nacional de entusiasmo, especialmente porque os poloneses sentiam que a nação se encontrava às vésperas do fim do regime. O sindicato Solidariedade estava funcionando quase abertamente e o governo não fez qualquer tentativa de desencorajar João Paulo 2º de passar uma hora com o líder Lech Walesa e a família deste numa residência diocesana perto de Gdansk. Dessa vez eles discutiram o futuro político da Polônia.
Antes disso, naquele mesmo dia, o papa dissera a centenas de milhares de trabalhadores, em sua homilia na missa em Gdansk, que os acordos de 1980 entre o Solidariedade e o governo tinham suas raízes nos sangrentos acontecimentos de 1970 no local, e que "irão permanecer na história da Polônia como expressão da crescente consciência do povo trabalhador em relação a toda a ordem social e moral no solo polonês.
O papa e o general Wojciech Jaruzelski se reuniram duas vezes em particular e, como recorda o general, ele teve a satisfação de informá-lo de que pela primeira vez na história do pós-guerra bispos e primeiros-secretários do partido em todas as regiões da Polônia haviam se reunido para planejar juntos as atividades papais durante essa visita. Reuniões semelhantes haviam sido realizadas em cidades e aldeias entre padres de paróquias e representantes do partido e Jaruzelski disse que esperava que dali em diante os representantes da Igreja e do partido pudessem reunir-se regularmente.
Quando o tema da conversa passou a ser o líder soviético Mikhail Gorbatchov, o general disse a João Paulo 2º que "ele não deve perder e não vai perder, e que "precisa ser ajudado. Foi graças a Gorbatchov, disse ele, que a Polônia estava gozando de relativa soberania no interior do Pacto de Varsóvia.
Os acontecimentos posteriores na Polônia avançaram rapidamente -sempre sob o olhar atento do papa e da Igreja. Gorbatchov visitou Varsóvia e Cracóvia em julho de 1988, sendo saudado com a primeira acolhida calorosa e espontânea que qualquer líder soviético jamais recebera por parte dos poloneses. Uma onda de greves em 1988 e as crescentes exigências de partilha do poder, por parte da oposição, e de retorno do Solidariedade a um status legal, convenceram Jaruzelski e as lideranças do partido de que chegara a hora de começar a negociar mudanças na estrutura política da Polônia.
Jaruzelski, que havia renunciado ao cargo de primeiro-ministro para assumir o cargo de presidente da Polônia -com poderes executivos totais- nomeou Mieczyslaw Rakowski, antes um vice-primeiro-ministro, como primeiro-ministro transicional a cargo das negociações com a oposição. No final de 1988, todas as partes já haviam concordado em realizar conversações em mesa redonda nas quais todos os grupos políticos, incluindo os líderes do Solidariedade (embora o Solidariedade em si ainda estivesse na ilegalidade) seriam representados. Na realidade Walesa foi convidado a conversar com o general Czeslaw Kiszcsak, o ministro do Interior que o havia detido em 1981.
O episcopado e o governo eram as parteiras do empreendimento da mesa redonda, que levaria à criação de um gabinete de coalizão com a inclusão de ministros que tinham vínculos diretos com a Igreja. E um dos primeiros atos do primeiro-ministro Rakowski foi a convocação do cardeal Josef Glemp. Eles reviram a situação política e Glemp disse a Rakowski que era essencial apoiar as políticas de Gorbatchov na União Soviética -como João Paulo já estava fazendo, discretamente, do seu lado.
O que foi menos feliz foi o plano de Rakowski de fechar o estaleiro Lenin, em Gdansk, local onde nascera o Solidariedade mas um ônus terrível aos recursos financeiros do país. O estaleiro, que estava obsoleto e perdia quantias consideráveis de dinheiro, ainda empregava 12 mil trabalhadores; João Paulo 2º veio socorrê-los. Falando a peregrinos poloneses no Vaticano durante a primeira semana de novembro, o papa declarou que "mais uma vez temos razões para nos preocupar com a comunidade de Gdansk e especialmente com o estaleiro de Gdansk. Sempre procuramos oferecer nossa solidariedade ao 'Solidariedade'. Neste momento, também estamos expressando essa solidariedade. Foi o fim das tentativas de acabar com o estaleiro.
Em 6 de fevereiro de 1989 foram iniciadas negociações em mesa redonda no palácio do Conselho de Ministros em Varsóvia. Em preparação para as conversações, Rakowski liderou uma delegação do governo para discutir com o cardeal Macharski e o episcopado a possibilidade de realizar eleições parlamentares em 1989, seis meses antes da data prevista, devido às mudanças estruturais iminentes. Foi a primeira vez que o regime e o episcopado realizaram uma reunião política em nível tão alto, mas a Igreja já era parceira igualitária na administração dos assuntos poloneses.
No dia 6 de abril, a mesa redonda anunciou o acordo para remodelar a Polônia através de democracia parlamentar e reformas na economia, pondo fim a sua subordinação a decisões e controles do governo. Foi o fim do comunismo na Polônia, um acontecimento extraordinário, conseguido por meios pacíficos e servindo como exemplo para o resto da Europa do leste. O Solidariedade reconquistou seu status oficial, e no dia 20 de abril Walesa e cinco de seus mais altos colaboradores voaram para Roma para agradecer a João Paulo 2º por seus esforços em prol da democracia e do Solidariedade.
Como resultado das eleições parlamentares realizadas no início de junho -as primeiras eleições livres na Polônia em mais de 40 anos -o Solidariedade conquistou o poder com maioria avassaladora. Padres de paróquia, em missas celebradas em todo o país, haviam exortado os fiéis a votar nos candidatos do Solidariedade e derrotar o comunismo. Tadeusz Mazowiecki, o intelectual católico que fora um dos assessores de Walesa durante as grandes greves de 1980, tornou-se o novo primeiro-ministro. Como parte dos acordos alcançados na mesa redonda, o general Jaruzelski continuou como presidente por mais dois anos.
No dia 17 de julho a Polônia e a Santa Sé estabeleceram relações diplomáticas formais, simbolizando e coroando as extraordinárias conquistas da aliança entre o papa polonês e o general comunista do Exército polonês.
Muitos anos depois, João Paulo 2º foi instado a responder se achava que as negociações sobre o futuro da Polônia poderiam haver fracassado, e uma "tragédia ocorrido se em lugar de Wojtyla, Jaruzelski e Gorbatchov, o pontificado estivesse em mãos de um homem não eslavo e os líderes polonês e soviético fossem "apparatchiks comunistas à moda antiga. O papa refletiu sobre a pergunta e respondeu que poderia concordar com tal interpretação hipotética. O papa também indicou que a situação polonesa havia sido muito mais complicada do que em outros países da Europa do leste, onde, após os acontecimentos na Polônia, os regimes comunistas simplesmente desmoronaram. O caso polonês exigiu muito mais diplomacia e argúcia.

Tradução de Clara Allain

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