São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Altsider da moda

DO "EL PAÍS"

Robert Altman, 69, fuma maconha. Esta é a menor das transgressões do cineasta norte-americano, diretor genial de filmes como "M.A.S.H.", "Nashville", "O Jogador", "Short Cuts" e o mais recente, "Prêt-à-Porter", uma visão deliciosamente cruel sobre a moda
-Por que fazer um filme como "Prêt-à-Porter?" -Eu desejava fazer este filme há mais de dez anos. Queria dar uma visão dos bastidores da indústria da moda. Este mundo é muito parecido com o universo hollywoodiano. -Mas o sr. não foi um pouco ácido nesta visão? -Não, não. Eu tenho grande carinho por todos os estilistas. -No filme, porém, este carinho é representado através de caricaturas, não? -Claro. O filme é uma farsa. Se você perceber, uma farsa mais sobre os meios de comunicação que sobre a moda em si. Acho que em torno das apresentações das novas coleções de "prêt-à-porter" há uma grande histeria causada pela imprensa. -É verdade que o sr. só conseguiu realizar "Short Cuts" e, depois, "Prêt-à-Porter" porque fez as pazes com o mercado depois de "O Jogador"? -Sim. A vida às vezes nos surpreende. Eu estava empenhado em filmar "Short Cuts" primeiro, mas não conseguia o dinheiro. Então, me propuseram fazer "O Jogador" e eu aceitei. O sucesso foi tão grande que os mesmos produtores da Paramount que antes haviam me negado os dólares me pediram para realizar "Short Cuts". -Então "O Jogador" não foi uma vingança a Hollywood? -Nunca alimentei este sentimento. Minhas relações com Hollywood se dão basicamente através dos jornalistas. Os grandes estúdios e eu não estamos no mesmo ramo. Meus filmes não são feitos para ter sucesso no mercado e isso é tudo que importa a eles. Então, não nos damos nem bem nem mal. -O sr. é pessimista? -Eu acredito no ser humano. Nesse sentido, me resta um pouco de otimismo. O que acontece é que continuamos admirando as coisas erradas. Quer dizer, as pessoas valem mais pelo que são do que pelo que fazem. É a decadência da sociedade. -Há elementos autobiográficos em seus filmes? -Tudo é autobiográfico. E nada é, também. Na verdade, meu dia-a-dia é um pouco aborrecido. -Mas e sua fama de bon vivant? -Eu gosto de jogar, beber, fumar, de mulheres. Pena que eu já não possa beber, porque meus problemas cardíacos impedem. Prefiro viver mais sem o álcool que menos com ele. -O sr. usa drogas? -Creio que existe uma certa paranóia nos Estados Unidos contra o fumante de maconha, por exemplo. Concordo que não se deve abusar: é prejudicial para o próprio fumante e um mau exemplo para as crianças. Mas existe muita gente que fuma maconha, entre as quais eu me incluo. Faço simplesmente para equilibrar minha temperatura ao final do dia. - Em "Pret-à-Porter", como em vários outros filmes seus, há uma galeria enorme de personagens. Por quê? -Eu gosto disso. Se não, acabo me cansando e se torna difícil prender a atenção do espectador. A vida é muito complexa, cheia de relações. Me agrada refletir o mundo tal qual ele é, com muita gente. Em minha casa éramos muitos irmãos. Meu pai e minha mãe também pertenciam a uma grande família. E eu gosto de me rodear de muita gente. -Por que seus filmes são tão irônicos? -Primeiro, porque é muito fácil utilizar a ironia. Agrada sempre. Ela surge quando dois opostos se encontram, e a vida está cheia deles. Isso alivia e deixa mais afastada a gravidade das coisas. A ironia é a minha tábua de salvação. Mas reconheço que não pode ser considerada arte. -O que é mais importante na hora de fazer um filme? -A escolha dos atores. Quase todo o meu trabalho se resume a escolher muito bem quem vai trabalhar no filme. Passada esta seleção, deixo todo o trabalho para os atores. Então, eles viram os verdadeiros criadores do filme.

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