São Paulo, segunda-feira, 10 de abril de 1995
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Elton John volta sorridente do analista

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O cantor e compositor inglês Elton John, 48, passa por aquilo que no Brasil hoje é conhecido por "síndrome de Renato Russo". O sujeito resolve assumir a sexualidade e a felicidade no divã. Soluciona problemas psíquicos cotidianos. Mas quando vai a público sorridente, perde o ponto na arte.
"Made in England", 41º trabalho (incluindo-se as coletâneas) em 25 anos de carreira de Elton John, é a prova cabal de que arte não pode ser o sorriso da sociedade, como queria o saudoso Afrânio Peixoto.
Elton se assume como homem feliz e realiza um serviço desastroso para o desenvolvimento do pop. A começar pela capa. Elton parece um convertido da Igreja Universal do Reino de Deus: oculinhos redondos, penteado bom-moço, esboço de sorriso alvar, expressão beata. Só faltava o título ser "Aleluia".
Onde nós estamos? O que aconteceu com o rebelde do piano dos anos 70, homem que teve coragem de se declarar bissexual em 1976, pondo a carreira em perigo? O músico que realizou alguns dos melhores arranjos de cordas na arte da balada e que recuperou o rock'n'roll quando o ritmo se dissolvia nos modismos da Motown?
Ele está tamponado pela idéia de que "assumiu". Convenhamos, não se é virgem duas vezes. Ninguém tinha dúvida sobre sua homossexualidade. Isso nunca interferiu na sua obra. Por ironia, começa a alterá-la no instante em que pensa ter resolvido a questão.
Há pontos positivos. O aspecto dos arranjos melhorou muito em relação à eletrônica desenfreada dos discos anteriores. No último ano, ele lançou um CD duplo de duetos por telefone com chamada a cobrar. Um horror.
Agora Elton toca piano e harmônio e canta com tranqilidade. Sua voz sai mais espontânea. Harmoniza como sempre com perícia.
Mas não tem como não achar insípidas e piegas as 11 faixas de "Made in England". Mais uma vez, o músico usa a máquina de fazer letras Bernie Taupin.
Taupin trabalha por encomenda e Elton pediu-lhe versos moralistas e politicamente corretos. "Believe", uma canção em tom menor, revela uma novidade assombrosa: Elton crê no amor. A faixa-título é um rock que entristece os fãs porque Elton se quer autocomplacente. Em uma espécie de confissão "in extremis" diante de um padre impaciente, ele se diz "homo" e "fabricado na Inglaterra", fascinado por rock e cansado de "40 anos de sofrimento".
Depois vem "Pain", outro rock que poderia integrar os exercícios espirituais de Santo Inácio de Loiola. Como um jesuíta enlouquecido, Elton brande o látego contra as próprias costas e grita: "Meu nome é dor/ Você me pertence/ Você é tudo o que eu queria/ Sou tudo o que você será".
"Belfast" é uma condenação ao terrorismo. O arranjo para cordas enquadra a melodia operística.
Mas a autocomiseração retorna na balada"Lies", uma homenagem a Tennessee Williams e a deixa para mais uma confissão. Sim, Elton mentiu e agora se arrepende.
E nós, neste grande psicodrama que se tornou o pop, temos que entender Elton, perdoar Elton, dar-lhe uma força. Mas o disco não tem indulto.(Luís Antônio Giron)

Disco: Made in England
Lançamento: Mercury/Polygram
Quanto: R$ 18,00 (o CD, em média)

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