São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 1995
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Salário mínimo

ANDRÉ LARA RESENDE

Há questões que, mais do que distinguir progressistas e conservadores, parecem separar os bons dos maus. Quem for contra o aumento do salário mínimo é mau. Os bons, ora, são evidentemente a favor. Quem poderia ser contra senão os dominados pela mais impermeável perversidade?
De quando em quando, alguém pergunta ao presidente o que ele faria se tivesse que viver com um mínimo. Fernando Henrique se irritou. Irritação que deixou transparecer o domínio do intelectual sobre o político. A pergunta leva a crer que está nas mãos do presidente -um simples ato, apenas uma MPzinha- dar a todo brasileiro um salário digno, decente. Se ele não o faz... É a má-fé da lógica implícita na pergunta que irrita o intelectual. O político desconsideraria a lógica e se associaria a quem pergunta na indignação contra as forças ocultas.
Que não é possível viver de forma decente -por mais modesta que seja a definição de decência- com um salário mínimo, é óbvio. Por que então não aumentá-lo? Afinal, o mínimo é uma lei. Os bons deveriam votar o aumento do mínimo e só um presidente impregnado de maldade poderia vetar tão justa proposta.
Mas por que nos restringirmos a cem reais? Por que não mil? Não deixo por menos de dois mil. Três mil! Está estabelecido o leilão da bondade. "Reductio ad absurdum."
Há aqui dois equívocos clássicos. Primeiro, supor que fixar um preço nominal garante a fixação do seu valor real. Perdoe-me o economês. Tento traduzir: nem sempre fixar um valor em moeda nacional, como, por exemplo, o salário mínimo ou a taxa de câmbio, significa fixar o poder de compra do salário mínimo ou da moeda estrangeira. Os exemplos não são fortuitos.
Câmbio e salários são dois preços que têm grande poder de influenciar outros preços. Resultado: aumentá-los provoca alguma inflação que pode, no limite, anular por completo o aumento nominal. Mas se a inflação corroeu parte do aumento dado pela generosidade dos legisladores, por que não aumentar de novo o mínimo? Mais inflação, mais aumento, depois aumentos mais frequentes, aumentos automáticos, aumentos preventivos... Expresso direto para a hiperinflação.
No Brasil a questão é ainda mais complicada. O salário mínimo é utilizado como um indexador dos demais salários e dos benefícios da Previdência. Ganham-se tantos mínimos. Ao aumentar o mínimo não se eleva, portanto, apenas o piso e se reduz o diferencial entre os salários altos e baixos. Aumentam-se toda uma estrutura de salários de mão-de-obra não-qualificada e os gastos da Previdência.
O segundo equívoco é achar que aumentar o valor real dos salários beneficia a todos. Suponha que fosse possível fixar o poder aquisitivo do salário mínimo: o fixado em lei não seria desfeito pela inflação. A demanda por mão-de-obra é uma função inversa do salário real. Quanto maior o salário, menor a oferta de emprego. Fixar o valor real do salário mínimo, acima do que o valor que igualaria a oferta à procura de mão-de-obra não-qualificada, é apenas uma forma de proteger os que conseguem continuar empregados à custa dos que perdem ou não conseguem emprego. É justo?
O juízo sobre o bom e o mau, o justo e o injusto, pode não ser fácil, mas com certeza conservador é fazer o jogo da ignorância.

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