São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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A penicilina, a grife e o Big Mac

ROSALIA RAIA

Cena 1: O morador de um bairro da periferia paulistana busca, em plena tarde de sábado, um remédio para seu filho. Ele não decorou a escala das farmácias de plantão (alguém decora?) e tem de percorrer alguns quarteirões (não digo quilômetros para não ser acusada de melodramática) até achar um estabelecimento aberto. Ao chegar, no entanto, descobre que a farmácia não tem o produto desejado.
Cena 2: Manhã de domingo. Após quase uma hora de procura e duas tentativas frustradas, o mesmo paulistano encontra o medicamento numa farmácia de plantão localizada em outro bairro. O preço é, pelo menos, 10% superior ao que pagou durante a semana, mas...
Medicamentos são produtos de primeira necessidade. Exatamente por isso, foram criadas leis em diversos municípios estabelecendo uma escala de plantões, garantindo que um mínimo de farmácias permanecessem abertas nos finais de semana. Entretanto, por uma dessas distorções inexplicáveis (ou só explicáveis pela ação de um forte lobby), essas leis acabam proibindo que todas as outras farmácias abram suas portas.
Em resumo: a lei, que deveria assegurar o atendimento, prejudica a população, sobretudo quem mora em bairros com número reduzido de farmácias.
A Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias) vem defendendo, há anos, mudanças nesse tipo de legislação. A proposta é simples. Qualquer farmácia poderia funcionar nos finais de semana, sem que isso prejudicasse a escala de plantões obrigatórios.
A população teria mais opções, o fim da "reserva de mercado" impediria abuso de preços e, ao mesmo tempo, o plantão obrigatório continuaria garantindo que o consumidor não ficaria desassistido.
Dezenas de farmácias e drogarias da cidade de São Paulo estão realizando nos finais de semana, com o apoio da Abrafarma, um protesto contra a lei dos plantões. Equipes instaladas à porta dos estabelecimentos fechados estão colhendo apoio a um abaixo-assinado pedindo mudanças na lei e que será encaminhado à Câmara Municipal.
Estranhamente, o poder público municipal de muitas cidades não tem demonstrado sensibilidade a esse problema. A lei dos plantões existe na cidade de São Paulo desde 1978. Graças a ela, aos sábados (das 13h às 21h) e aos domingos (das 8h às 21h), quase 15 milhões de habitantes têm à sua disposição apenas 900 farmácias. Na região paulista do ABC, 66% das farmácias têm de fechar suas portas logo às 8h do sábado.
Um dos poucos argumentos apresentados a favor da proibição é o da garantia de sobrevivência aos pequenos estabelecimentos. Porém, em cidades como Curitiba, Campinas, Santos e Ribeirão preto, por exemplo, essa restrição já não existe e não se tem notícia de que farmácias tenham fechado por esse motivo.
No momento em que vários municípios discutem a abertura do comércio aos domingos, cabe perguntar a quem interessa proibir a abertura de farmácias já aos sábados. Afinal, precisamos gerar empregos e arrecadar impostos, para realizar os serviços e obras reivindicados pela população. Ou será que a penicilina tem menor importância social que um Big Mac ou uma calça da Zoomp?

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