São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Editora indígena aposta em esoterismo

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

Índio quer mercado. Será lançada em Santos na próxima quarta-feira, dia do índio, a primeira editora indígena. Chama-se Nova Tribo, é de propriedade de um índio txucarramãe e pretende lançar sete títulos até o fim do ano.
A empresa acaba de ser constituída por Kaka Werá Jecupé, 30, professor de danças rituais em São Paulo. Já tem sede, próxima à represa de Guarapiranga, três patrocinadores e uma linha editorial bem definida: esoterismo.
"Vamos valorizar a cultura do índio via livro", diz Kaka. "O próprio índio produzirá seus livros para contar histórias e tradições."
Kaka resolveu trilhar o caminho privado porque, argumenta, tem liberdade de expressão por não se vincular a nenhuma organização não-governamental ou política.
Como pretende vender e fugir do gênero índio-vítima, Kaka optou pela área histórico-esotérica. Vai lançar obras de resgate da história indígena e de misticismo silvícola, por autores indígenas.
O primeiro título será "Todas as Vezes que Dissemos Adeus" (97 págs., R$ 35,00), relato autobiográfico do próprio Kaka. O livro foi publicado em 1994 pela Fundação Phytoervas, uma das patrocinadoras da Nova Tribo, e agora pertence ao autor.
"Conto as experiências iniciáticas de um txucarramãe criado em meio aos guaranis na aldeia Krukutu, na zona rural do município de São Paulo", diz Kaka. Segundo ele, foi a ligação com o livro, alimentada desde a infância, que o levou a fundar a editora.
Acha que seria impossível fazê-lo ganhando apenas R$ 2.000 por mês com suas aulas. Mas os patrocínios vieram, de uma indústria de alimentos naturais e uma editora. "Tudo aconteceu misteriosamente, como se algum espírito colocasse na minha frente o dinheiro necessário", jura Kaka.
Já tem, por exemplo, R$ 12 mil para produzir o primeiro livro que ele chama de "genuinamente indígena", a sair em maio. Trata-se de "Flecha Dourada, o Guerreiro do Arco-Íris", do delegado de polícia Lauro Lima, 35.
Kaka considera legitimamente indígena a autoria do livro. Lima, do 57º Distrito, Mooca, e pertencente à Ordem do Arco-Íris, ligada à doutrina dos amautas (sacerdotes incas), diz ter recebido uma mensagem em 1992, na cidade de Bragança Paulista, do espírito do tupi Sumé, o Flecha Dourada.
Segundo ele, Sumé o convidou a escrever a história de sua vida, que se desenrolou ao longo de 130 anos no século 5 antes de Cristo (leia texto ao lado). Sumé lhe garantiu até mesmo um editor. "Será um índio!", bradou, segundos antes de alçar vôo pela floresta.
"Minha editora tem ligação profunda com os ancestrais", afirma Kaka. Ele acredita que seu encontro com Lima, em meados de 1993, numa exposição de arte plumária, foi serviço de Sumé.
Nem Kaka nem Lima explica por que a alma de Sumé não baixou em um índio, em vez de num delegado, ainda que espiritualista.
Kaka, iluminado por Sumé, diz considerar fundamental o esforço de fomentar a literatura junto aos "parentes", como ele chama os colegas de outras nações.
Além da saga de Sumé, a Nova Tribo quer editar dicionários, manuais e ficção. Para Kaka, o Brasil só conhecerá a cultura indígena se se debruçar sobre a religião. "Nossa cultura se volta para o sagrado e isso está sendo ignorado mesmo pelos índios. Devemos conservar esse patrimônio."

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