São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 1995
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'Juiz artilheiro' deveria ganhar prêmio

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ministrava aula sobre deontologia jurídica -teoria do dever no direito- quando, ao final, fui surpreendido por um aluno, que me perguntou se a ética jurídica seria aplicável aos juízes de futebol.
E não contente com a pergunta, desenvolveu, com lógica inatacável, fantástico raciocínio sobre os mediadores das partidas do esporte bretão.
Para ele, sempre que um juiz de futebol decidisse uma partida, seria ele quem deveria receber os prêmios dos jogadores.
E citou quatro exemplos: o jogo do Santos contra a Portuguesa, em que o juiz anulou gol legítimo da Portuguesa, o jogo do Corinthians contra o Bragantino, em que o juiz marcou penalidade inexistente contra o Bragantino, o jogo do Rio Branco contra o Corinthians, em que o juiz validou gol ilegítimo do Rio Branco, e o jogo do São Paulo contra o Santos, em que o juiz, sobre assinalar penalidade máxima inexistente, amputou, cirurgicamente, o time da capital, com expulsão imerecida de um jogador.
Ora, nos quatro jogos, o juiz foi o melhor jogador do time beneficiado, artilheiro indireto, mas decisivo, razão pela qual nada mais justo que recebesse as premiações de melhor jogador em campo.
Se assim agissem, os times, pelo menos segundo meu criativo aluno, não precisariam manter a farsa de dar a impressão de merecer os resultados sem a colaboração da arbitragem, sobre permitir que os "juízes artilheiros" fossem aplaudidos pelos beneficiados por sua atuação.
Para a torcida prejudicada, bastaria a polícia impedir que se revoltasse, utilizando-se de bombas de gás lacrimogêneo, de cassetetes, até porque não é justa a revolta se é da dinâmica do futebol o juiz de futebol ser aquele que deve ou não mudar os resultados da partida.
Como nas velhas monarquias absolutas, ou nas ditaduras modernas, quem manda não pode ter seu poder contestado. Nada mais razoável, portanto, que os juízes recebam, oficialmente, o prêmio de melhor jogador em campo e não, como as más línguas dizem -no que não acredito-, recebam-no apenas oficiosamente.
O argumento decisivo de meu aluno foi o de que o presidente da Fifa, em recente entrevista, declarou que os erros da arbitragem dão emoção ao futebol, tese, aliás, a que seu genro -único título que ostentava como tradição futebolística para assumir a presidência da CBF- tem dado guarida no futebol carioca -segundo recente denúncia do Ministro dos Esportes- com o aval do presidente perpétuo da Federação Paulista de Futebol.
Preferi não tecer comentários à observação de meu aluno, que, no campo do direito, fará carreira brilhante. Mas lembrei-me do desembargador Assis, quando dizia que o animal mais semelhante ao homem é o juiz de futebol e não o macaco, pois quem escolhe uma profissão em que sua progenitora será permanentemente homenageada não pode ser humano.
Nunca pensei que, ao falar sobre deontologia jurídica, tantos problemas não jurídicos fossem suscitados.

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