São Paulo, sábado, 15 de abril de 1995
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"Três Mulheres Altas" volta no tempo

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Com os (relativamente) jovens Tony Kushner, Brad Fraser, Howard Korder, Jim Cartwright, o teatro redescobriu a palavra nos primeiros anos da década de 90. Depois deles, era inevitável, redescobriu uma ou duas gerações anteriores de dramaturgos, que seguiam por aí, esquecidos.
Foi o caso do gigante Arthur Miller, que desde então montou três novos textos e não promete parada, aos 80 anos. Foram os casos de muitos outros, alguns nem tão velhos assim, como Tom Stoppard, Harold Pinter ou mesmo Sam Shepard, ou ainda Peter Shaffer. Ou Edward Albee.
"Três Mulheres Altas" estreou três décadas depois de seu "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", que abriu os anos 60 na Broadway, em 1962. "Três Mulheres Altas" estreou em 1991, na Áustria. Não abriu os anos 90, mal foi notada. Pouco mais de um ano atrás, Albee era citado como "esquecido" pela revista "Time".
Ele estava exilado, ainda escrevendo, ao contrário de Miller, Pinter, que pareciam ter desistido. Era lembrado apenas pelos teatros da Europa e os chamados teatros regionais dos EUA. "Três Mulheres Altas" mudou tudo. Albee está de volta. Em Londres, foi pelas mãos de Maggie Smith. Em Nova York, Myra Carter. No Brasil, agora, pelas mãos de Beatriz Segall.
A interpretação da atriz para a velha senhora de noventa e tantos anos, em "Três Mulheres Altas", é o que se destaca da montagem. A personagem, desenhada a partir da mãe adotiva do autor, se desdobra em três, as outras (uma jovem e outra de meia idade) feitas por Marisa Orth e Natália Thimberg.
O espetáculo corre em torno da velha senhora. No primeiro ato, uma jovem advogada e uma dama de companhia ouvem as suas histórias. No segundo ato, depois de um derrame, as três voltam ao palco como em sonho, representando as três fases da longa vida da protagonista.
Como em "Vestido de Noiva" ou "Valsa nº 6", ambas de Nelson Rodrigues (não à toa, um autor que se considerava "filho" do americano Eugene O'Neill, a exemplo de Albee), em "Três Mulheres Altas" a protagonista vai recordando em delírio a sua própria vida. E vai recordando "aquela família horrorosa".
A exposição confessional da "família", da relação com a irmã alcoólatra, com o marido "pinguim" e com o filho homossexual, supostamente o personagem do autor, somada à ambientação no rico dormitório, remete ao teatro anterior àquele de Albee.
Uma dramaturgia antiga, bem escrita e confessional, de balanço autobiográfico, como em "Longa Jornada Noite Adentro", de O'Neill. É quase inevitável, em tais condições, o clichê. Coisas como "o tempo mais feliz é agora. Sempre." É quase inevitável, também, a exploração de um certo voyeurismo de pequena burguesia, em torno do sexo confessional.
Mais ligada ao texto, a peça dá pouco espaço ao diretor, o que também é sinal dos tempos. José Possi Neto, além de marcações e de uma direção de atores sempre difícil de identificar, pois depende mais da arte dos atores, interfere no espetáculo pela iluminação. É encorpada, luxuosa, a exemplo do cenário, agindo por nuances, como no piscar ao fundo, que marca as falhas no bater do coração.
Beatriz Segall se destaca do espetáculo, como foi dito, escapando com alguma dificuldade dos trejeitos de senilidade no primeiro ato, mas inteiramente à vontade no segundo. Pelo espetáculo todo, distribui humor e elegância.
Natália Thimberg carrega uma personagem por demais amarga, sarcástica, o que não é facilitado pela expressão da própria atriz, mas também ela tem o seu momento maior, em passagem algo melodramática no segundo ato.
Marisa Orth -primeiro como a advogada politizada e durona, depois como a jovem sonhadora e romântica- é a personagem (e a interpretação) menos resolvida. Nada ou pouco a ver com a intérprete, na verdade. Tanto a advogada quanto a jovem do segundo ato são usadas como contraponto para a protagonista, que surge como uma espécie de professora de vida, no que é outro clichê da peça.
São arquétipos do "novo", do "jovem", que Edward Albee, 67, idealiza como alguém sonhador, que acredita na vida e deve ser avisado sobre as misérias que o aguardam. É o que diferencia, entre muitos aspectos, a sua geração daquela do americano Tony Kushner, do canadense Brad Fraser, do alemão Klaus Pohl, da Aids e do fim do milênio. O jovem de Edward Albee não existe mais.

Peça: Três Mulheres Altas
Quando: de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 19h
Onde: Teatro A Hebraica (r. Hungria, 1.000, tel. 818-8808)
Quanto: R$ 20,00

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