São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Furet analisa o porquê do fascínio pelo comunismo

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

"O Passado de Uma Ilusão", de François Furet, está sendo considerado na França como a primeira grande tentativa de síntese do comunismo no século 20. Desde o seu lançamento, o livro está no topo da lista francesa de best sellers (categoria ensaio). Seu autor já se consagrara como um dos maiores historiadores da Revolução Francesa.
O objetivo da obra é responder à pergunta: como o comunismo -pelo menos em sua forma representada pela URSS- pôde enganar a tantos, por tanto tempo? François Furet explica que queria contar "não a história do comunismo, nem a da URSS, propriamente ditas, mas a da ilusão do comunismo".
Nessa tarefa, o autor não consegue se livrar da influência de seus trabalhos anteriores sobre a Revolução Francesa. Ele conclui que uma das razões do fascínio exercido pela revolução bolchevique sobre a esquerda de todo o mundo se deve ao fato de que, aos olhos de muitos, ela representava a continuação das idéias jacobinas de 1789. Raros foram os pensadores de esquerda que, como Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky e Léon Blum, negaram, logo nos primeiros anos do regime leninista, o valor universal da Revolução.
O encanto do comunismo sobreviveu à morte de Lênin, à vitória de Stálin na luta contra Trótski, à renúncia à revolução mundial e aos assassinatos em massa. Essa "anestesia do julgamento" é ainda mais misteriosa, para o autor. "Quem quisesse saber (do terror stalinista) podia. A questão é que poucos quiseram."
Furet atribui essa cegueira, em parte, ao ineditismo do regime de Stálin, poder sem precedente na história, e, ao mesmo tempo, à crise do capitalismo, provocada pela Depressão dos anos 30.
A luta contra o totalitarismo fascista serviu como um argumento a mais em favor do comunismo russo. Hitler simbolizava o imperialismo, a contra-revolução. O pacto russo-alemão de 23 de agosto de 1939 obrigou Stálin a mudar de discurso. Mas a situação se transformou de novo, com a invasão alemã de 1941. A luta contra Hitler fez esquecer os anos de aliança e devolveu à União Soviética sua aura anterior.
A morte de Stálin, em 1953, mostrou que a ordem do regime soviético não era tão perfeita. A tarefa de Khruschov, ex-tenente de Stálin, de denunciar os crimes do passado, era arriscada demais. "Ele denuncia o terror, do qual foi um dos braços. Ele rebaixa Stálin, que celebrara. Ele toca brutalmente demais no passado do regime para não atingir sua lenda", explica Furet.
Na denúncia do stalinismo, começa o fim da URSS e de sua ilusão, que ainda sobreviveriam por mais três décadas. Por fim, ao tentar fazer mudanças mais profundas que Khruschov, Gorbatchov se depara com aspirações que não pode controlar. "Talvez seja cedo demais para saber exatamente o que ele queria fazer. O certo é que não queria fazer o que fez", conclui Furet.
O comunismo desapareceu, deixando órfãos em todo o mundo. O autor não exclui que ressurja, sob outra forma, o ideal de uma nova sociedade, mas não vê nada de novo no horizonte.
"A idéia de uma outra sociedade se tornou quase impossível de imaginar e, além disso, ninguém apresenta, no mundo de hoje, nem um esboço de conceito novo. Eis que estamos condenados a viver no mundo em que vivemos."

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