São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Filme critica cumplicidade com a mídia

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Enciumado pela intimidade que a "caixa maldita" conquista na casa das pessoas, e favorecido pelo distanciamento que a sala escura propicia, o cinema já produziu grandes críticas sobre o meio televisivo.
Em "Ginger e Fred", de Federico Fellini, o reencontro de dois ex-atores é marcado por um tom nostálgico e ácido. Em "Ladrões de Sabonetes", de Maurizio Nichetti, o purismo do diretor de cinema neo-realista, que perde o controle sobre as personagens do filme, encantadas pelo mundo televisivo das compras e das soaps, é tratado com ironia implacável.
Recentemente filmes brasileiros têm se aventurado nesse terreno, produzindo resultados provocantes para um país especialmente saturado ao mesmo tempo pela desigualdade social e pela mídia eletrônica.
O longa "Sábado", de Ugo Giorgetti, atualmente em cartaz em São Paulo, discute o contraste entre o mundo cão que cresce no coração da cidade grande e as imagens glamourosas e fantasiosas que a publicidade é capaz de criar.
O filme enfatiza a distância intransponível entre o cotidiano marginal enlouquecido do pobre e o mundo perverso e "clean" da produção de imagens publicitárias.
Os miseráveis assistem fascinados à gravação do comercial que bloqueia o elevador de seu prédio. Se há uma ponte possível, é tragicamente reduzida ao cinismo.
Tadeu Knudsen acaba de filmar "Ao Vivo A Cores - Sangue e Sexo na TV", que como seus curtas anteriores, comenta a capacidade que a mídia eletrônica tem de criar fatos, notícias e figuras.
Neste seu terceiro filme, Tadeu parodia o "Aqui Agora", o repórter policial Gil Gomes e o caso da polêmica transmissão de um suicídio pelo telejornal do SBT, para discutir os limites tênues entre a realidade e a ficção.
Tadeu se especializou em observar mecanismos de criação de simulacros, imagens que carecem de referentes concretos na realidade. Seu primeiro filme, "Espectador", comenta a capacidade que a TV tem de criar figuras.
Já seu segundo trabalho, "Tanta Estrela", ao comentar o episódio real em que o público desconfiou da autenticidade de Raul Seixas, explora a falta de espaço para mudança que aprisiona ídolos pop.
Completando o que talvez a posteriori possa ser visto como uma trilogia, o novo filme conta com a participação de telespectadores ativos na criação de notícia.
Enquanto o trabalho de Georgetti deriva sua força da ênfase na distância chocante entre dois mundos que pouco se tocam, o de Knudsen explora a cumplicidade existente entre cidadãos voyeurs e/ou exibicionistas e a mídia.
A disseminação de câmeras e aparelhos de vídeo e edição domésticos torna cada vizinho um operador de câmera, repórter, ator, e, porque não, um autor de emissão pirata em potencial.
As personagens de Georgetti e Knudsen participam desse festim diabólico, violento e sensacionalista em que se pode transformar a criação e o consumo de imagens.
A partir de perspectivas distintas, os dois cineastas enfrentam a realidade espetacular de um país de Terceiro Mundo, que absorveu a mídia eletrônica de forma avassaladora e ainda pouco entendida.

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