São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
Próximo Texto | Índice

Façam o que eu digo

Façam o que eu digo
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, quer nos próximos meses uma segunda rodada de discussões para a desindexação.
Segundo o ministro, "é difícil imaginar um sistema de controle da inflação quando se tem indexação a mais de 100% da inflação passada". Para Malan, é necessário extinguir a cultura da indexação.
Essas declarações podem ser vistas mais como eloquente expressão de uma dificuldade. Afinal, já no início deste ano a equipe que elaborou o Plano Real dava como iminente a desindexação. Mas nenhum passo foi dado nessa direção.
Independentemente das dificuldades externas, o fato é que a equipe econômica vem-se limitando à operação da política econômica no mais estrito curto prazo. Nada se fez para alterar os horizontes mais amplos. E não se trata apenas da morosidade no encaminhamento de mudanças constitucionais ou dos recuos em temas como reforma tributária e privatização.
A manipulação de tarifas, recolhimentos compulsórios, impostos sobre operações financeiras, taxas de juros e complexas engenharias cambiais fazem muito barulho, mas quase nada esclarecem do ponto de vista das diretrizes fundamentais. A rigor, todas essas acrobacias nem mesmo conseguiram produzir os efeitos anunciados. A equipe econômica continuou agindo com foco apenas no dia-a-dia, operando incessantemente instrumentos de sintonia fina, como se a estabilização fosse um dado e sua defesa uma questão de gerência rotineira.
O apelo à eliminação da cultura inflacionária, nesse ambiente que o próprio governo foi incapaz de transformar por meio de atos, soa patético. Pois o traço mais forte da cultura inflacionária é precisamente o casuísmo do governo, o recurso às mais ziguezagueantes determinações sem que se transmitam à sociedade rumo ou prioridades.
O governo sobretudo reage, com atraso, sem consistência ou firmeza. A desindexação plena e o fim da cultura inflacionária certamente dependem de avanços significativos no terreno da inflação, do ajuste fiscal, da reforma do Estado e da reforma do sistema financeiro. Pior que a incapacidade do governo de garantir esses avanços talvez seja a desfaçatez com que assume o tragicômico papel de macaco Simão. Propõe aos outros que façam o que ele diz, mas não o que ele faz.

Próximo Texto: A nova TV
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.