São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 1995
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Instituto do Fígado e do Alcoolismo

FLORESTAN FERNANDES

Está tramitando na Câmara dos Vereadores, há oito meses e em fase final de discussão, projeto cujo objetivo é a concessão de área para a construção do Instituto do Fígado e do Alcoolismo.
Trata-se de oportunidade que permitirá associar o Legislativo municipal a um empreendimento que merece apoio, pois os especialistas envolvidos e suas vinculações com a Unidade de Fígado da Faculdade de Medicina e do Hospital das Clínicas asseguram-lhe êxito previsível. A instituição foi concebida pelo professor Silvano Raia e sua equipe de colaboradores.
O Brasil coloca-se entre os países nos quais há incidência calamitosa de vários tipos de doenças. O analfabetismo generalizado das populações marginalizadas e a falta de uma educação voltada para o conhecimento do corpo agravam os efeitos da penúria e o baixo nível institucional de assistência médica e hospitalar. Formam-se círculos viciosos encadeados, que obrigam todo o país a contar com poucos centros de tratamento médico-hospitalar de maior envergadura. Milhares de pacientes são lançados numa peregrinação sem fim, em ondas migratórias que acabam abrangendo número elevadíssimo de doentes terminais, que chegam aos hospitais "para morrer".
A herança cultural soma-se aos fatores negativos mencionados. O uso abusivo do álcool aparece como parte de um estilo de vida, que sofre variações de acordo com a situação de classe, mas que culmina no alcoolismo como um vício incentivado. Os pobres alegam que bebem para "afogar suas mágoas" e os ricos recorrem às bebidas como ostentação de seu cosmopolitismo mundano. Mas o resultado é um só e os alcoólatras multiplicam-se em escala geométrica.
Existe, portanto, uma conspiração silenciosa em favor do agravamento de doenças que se originam da miséria ou da subalimentação e, ainda, de hábitos que implicam a destruição lenta ou rápida dos portadores de doenças fatais. O fígado aparece como a parte do organismo humano que acaba sofrendo os percalços da somatória das duas linhas de negligência. Práticas hospitalares obsoletas ajudam, por sua vez, a aumentar a incidência de moléstias arrasadoras. A hepatite e a esquistossomose rondam a sociedade brasileira como ameaças cataclísmicas, sem exagero de expressão.
O instituto surge, pois, em momento propício para o controle das doenças do fígado e do alcoolismo. Eis como se fundamenta, segundo a visão de seus idealizadores: "a) pela falta de similar no país para atender a uma demanda reprimida particularmente importante em nosso meio; b) para aproveitar a tecnologia acumulada pela Unidade do Fígado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, grupo líder inconteste da especialidade no país; c) para atender cerca de 200 mil casos e realizar 600 mil exames por ano em pacientes do SUS, de outra forma não-assistidos; d) para criar um pólo científico de pesquisa para doenças autóctones e um centro de treinamento especializado, que beneficiará cerca de 400 profissionais por ano". Urge que ele se converta rapidamente em realidade!

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