São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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As lorotas do deputado Paim

LUÍS NASSIF

É falsa a informação prestada pelo deputado Paulo Paim (PT-RS) de que o relatório de auditores do TCU (Tribunal de Contas da União) teria constatado a viabilidade financeira do aumento dos benefícios previsto no projeto de lei nº 02/95.
A falta de senso crítico com que generalizadamente são aceitas as informações desse deputado, aliás, mereceria um estudo mais aprofundado. O deputado é um contumaz manipulador de informações. Mas suas jogadas são aceitas com uma certa complacência divertida, pelo prazer de vê-lo colocando em xeque o governo A ou B. A objetividade jornalística que exploda.
A conclusão dos auditores é clara, conforme se lê no parágrafo 4.1.: "De acordo com os dados apurados pela equipe de auditoria, o reajuste dos benefícios previdenciários, na forma proposta pelo PL nº 02/95, tende a provocar situação de desequilíbrio econômico-financeiro nas contas da Previdência Social".
No relatório, há críticas à metodologia utilizada nas projeções da Previdência. Devido à escassez de dados, sua "magnitude não pode ser aferida com a fidedignidade necessária". Em nenhum momento questionou a conclusão de que o reajuste provocará rombo -se não for suprido com outras fontes.
O deputado também deu interpretação maliciosa à tal história do superávit da Previdência. A Constituição de 1988 não definiu uma fonte de receita exclusiva para a Previdência. Criou um conjunto de receitas (contribuição sobre a folha, Cofins e contribuição social) destinado a financiar a Seguridade Social como um todo -englobadas aí a Previdência, a Saúde e as ações sociais do governo.
Até a gestão Britto, a Previdência virava-se com 70% das contribuições sobre a folha; os 30% restantes, mais Cofins e contribuição social, financiavam a Saúde e a Assistência Social. Com Britto, ela passou a se apropriar integralmente das contribuições sobre a folha.
Agora, a Previdência não só absorve integralmente as contribuições sobre a folha como completa seu orçamento com 17% de receitas provenientes de outras fontes -conforme conclusão do próprio relatório. Onde o equilíbrio?

Superávit
O tal superávit da Previdência foi obtido sustando os repasses para outras áreas e obtendo lucro financeiro de 10%, graças às altas taxas de inflação registradas no ano passado.
A conclusão do secretário de Controle Externo do TCU -que assina parte das conclusões do relatório- é clara. "Para efeito de definição da tendência do comportamento operacional futuro da Previdência Social, a não-inclusão dos superávits de caixa do exercício de 1994 está correta". Com a estabilidade da moeda, esse lucro inflacionário deixa de existir.
O mais fantástico do relatório é a análise dos desequilíbrios estruturais da Previdência. Entre outros pontos, aponta a aposentadoria dos trabalhadores rurais (prevista na Constituição) e o repasse dos demais recursos da seguridade para a Saúde e para a Assistência Social (também previsto na Constituição). A causa de seu desequilíbrio é não ter conseguido se apossar de todos os recursos que, pela Constituição, deveriam ser dirigidos à Saúde e Assistência Social.
Obviamente, nenhuma palavra sobre o desequilíbrio atuarial causado pelo financiamento das aposentadorias especiais do setor público -entre as quais incluem-se as dos auditores do TCU.

Sem crítica
A maneira fácil com que se embarca sistematicamente nas petas do deputado Paim confirma uma velha verdade jornalística. Tome um relatório volumoso -desses que dá trabalho folhear- e coloque-o nas mãos de um deputado esperto -desses que conseguiram, sabe-se lá por que artes, entrar no circuito das pautas de jornais. E serão tiradas as conclusões que o deputado quiser tirar.
Se espírito crítico fosse água, há muito o jornalismo brasileiro teria sido dizimado pela mais mortal das secas.

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