São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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Diretora Archibugi se preocupa com nuança e não com escândalo

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Os dois primeiros filmes de Francesca Archibugi, 34, "Mignon è Partita" (1987) e "Verso Sera" (1990), este com Marcello Mastroianni e Sandrine Bonnaire, não chegaram até nós. Empurrado pelos ventos do Festival de Cannes de 1993, "Campo das Ilusões" (Il Grande Cocomero) virou seu cartão de visitas. Aceite-o. Archibugi é a maior promessa feminina do atual cinema italiano.
Felizmente, não faz filmes à maneira de Lina Wertmuller e Liliana Cavani. Escandalizar a platéia é a última coisa que passa pela sua cabeça. Seu forte -a nuança, o toque delicado- jamais frequentou o repertório estilístico daquelas duas peruas da "mise-en-scène".
Dá para imaginar o que elas (e o Marco Bellocchio fase psi) teriam feito com a história de "Campo das Ilusões": um platônico caso amoroso entre um neurocirurgião trintão e uma paciente de 13 anos. Nas mãos de Archibugi, ele permanece platônico até o último rolo. Nenhum resvalo pela pedofilia, nenhuma concessão ao voyeurismo. A única doença entre Arturo (Sergio Castellitto) e Pippi (Alessia Fugardi) é a epilepsia dela.
Inspirado em Marco Lombardo Radice, escritor e antipsiquiatra infantil, afinado com as ideias de Franco Basaglia, Arturo é um personagem cativante, sobretudo porque interpretado pelo mais talentoso herdeiro de Marcello Mastroianni. Seu jeito "cool" de ser caloroso, de resto adequado à meiga terapia que professa e pratica, contamina o tom narrativo do filme, alternadamente cálido e distante, dispersivo e controlado, tenso e descontraído.
Ainda que pontuado por situações engraçadas, "Campo das Ilusões" é, na maior parte do tempo, um espetáculo tristonho, melancólico, onde o silêncio costuma valer mil palavras. Tendo ao fundo uma Roma permanentemente encardida e crepuscular e, como cenário constante, um hospital psiquiátrico em crise, com doentes demais e recursos e pessoal de menos, tinha tudo para descambar para o histérico, para o discursivo e para o lacrimogêneo, imperfeições típicas de um certo tipo de cinema italiano. Mas Archibugi não permite que isso aconteça, dosando com segurança realismo e melodrama, humor e emoção. Seu filme, simples e generoso, recupera algumas das mais saudosas virtudes do velho cinema popular italiano, por cuja renascença tanto rezamos.
Como toda geração rebelde do final dos anos 60, Radice, o modelo de Arturo, adorava os quadrinhos de Charlie Brown. O neurótico Linus, pitéu psicanalítico, tinha a sua preferência. Como todos sabem, Linus elegeu a "grande abóbora" utilizada no Halloween (a festa das bruxas dos americanos) como o seu bicho-papão de cabeceira, pura somatização de algum ou vários problemas psicológicos. Não sei por que os italianos transformaram a abóbora em melancia ("cocomero"), mas é fácil adivinhar por que simbólicas melancias cobrem o "campo das ilusões" de Archibugi.

Vídeo: Campo das Ilusões
Direção: Francesca Archibugi
Elenco: Sergio Castellitto, Alessia Fugardi, Anna Galiena
Distribuição: Europa-Carat (tel. 011/579-6522)

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