São Paulo, quarta-feira, 19 de abril de 1995
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Agricultura e malandragem

ANTONIO DELFIM NETTO

O Brasil vive um momento esquisito. Instalado em Brasília, o ministério da Verdade seduz a nação com as mais extravagantes fantasias. À custa da repetição incessante na "mídia", o Grande Irmão transforma proposições falsas em verdades absolutas. O ministério da Verdade decidiu: o inimigo do Brasil é a agricultura, os agricultores, os seus representantes e, finalmente, o Congresso Nacional!
Em que consiste, afinal, essa ópera-bufa? Por que existe um problema com o setor agrícola?
A razão fundamental é a seguinte. A agricultura, como todos os setores, desenvolveu mecanismos de proteção contra a corrosão de suas rendas produzidas pelo processo inflacionário: o preço mínimo de garantia era corrigido pelo índice geral de preços. É o mesmo caso do sistema nacional de habitação, onde existem os contratos de equivalência salarial, por exemplo; dos trabalhadores, onde a lei salarial garante a correção automática; e do governo, que continua corrigindo os seus impostos pela Ufir. Todos, principalmente o governo, procuram defender a sua participação no Produto Interno Bruto. Um pouco de reflexão mostra que se todos os agentes encontrarem mecanismos de defesa eficientes, o equilíbrio econômico é impossível e se a oferta monetária for elástica, a taxa de inflação tenderá para o infinito.
Um dos sonhos do setor agrícola era o programa de financiamento com equivalência no produto financiado. Se alguém tomasse emprestado em setembro (época do plantio), 100 sacas de milho, para saldar em março (época da colheita) e o juro real fosse de 21% em ano, ele pagaria 110 sacas de milho (juro de seis meses). O milho passaria a ser a unidade monetária do contrato financeiro. Como é óbvio, esse contrato envolve considerável risco para o agente financeiro. Se o milho valia R$ 7 a saca em setembro, o empréstimo foi de R$ 700. Se o preço do milho caiu para R$ 4,50 a saca em setembro, a liquidação do empréstimo se faria por R$ 495.
É por isso que nenhum governo sensato havia ousado tomar tal risco. Mas em 27 de maio de 1994 o sr. Itamar Franco, do qual o atual presidente é a continuidade (sem ser o continuísmo), ao apor o veto a um dispositivo negociado com o Congresso Nacional (mensagem 168, de 1994-CN), prometeu formalmente: "O Executivo incluirá, na regulamentação relativa à transformação dos contratos, de cruzeiro real para real, um dispositivo que assegure o equilíbrio econômico-financeiro entre os termos do crédito agrícola e os da política de preços mínimos, ou seja, a equivalência entre os indicadores de um e do outro".
O governo esqueceu a promessa. Depois sobrevalorizou o câmbio, baixou as tarifas de importação, estimulou a importação financiada de produtos agrícolas subsidiados e deixou de honrar a política de preços mínimos, o que fez despencar os preços agrícolas. É a somatória desses disparates que criou o problema. A agricultura foi ingênua acreditando no governo e ampliando a produção. O governo foi apenas malandro. Está disposto a arruiná-la para ganhar alguns pontinhos na inflação. Mas todos sabem que quando a malandragem é demais, ela costuma comer o malandro...

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