São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 1995
Próximo Texto | Índice

Aids faz usuário de droga trocar seringa por crack

LARISSA PURVINNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Com medo da Aids, usuários de drogas trocaram seringas (usadas para injetar cocaína nas veias) pelo cachimbo (usado para fumar crack, a cocaína em pedra).
Os viciados acreditam que diminuem o risco de contágio usando crack -a droga não entra em contato direto com o sangue, como no caso de cocaína injetada com seringas.
Segundo Regina Bueno, 40, coordenadora do Iepas (Instituto de Estudos e Pesquisas em Aids de Santos) os usuários de drogas injetáveis diminuem o número de "picadas" e usam mais crack.
"Se a pessoa acha que vai viver mais ao trocar crack por cocaína, está errada. O crack é mais destruidor e vicia mais e mais rápido que a cocaína", diz a psiquiatra Renata Soares de Azevedo, 28.
Ela notou a mudança de comportamento em uma pesquisa sobre uso de drogas injetáveis e disseminação do HIV (vírus da Aids) na região de Campinas em fevereiro de 94. Quase não encontrou quem "tomasse pico" (injetasse droga). "Tive que mudar o estudo para incluir usuários de crack."
Segundo o delegado Edemur Ercílio Luchiari, 53, do Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos), os usuários de crack são maioria há dois anos.
"Cerca de 50% dos casos que atendemos são de crack". Entre meninos de 16 a 18 anos atendidos em 94, 76% usavam a droga. Entre as meninas da mesma idade, o percentual chegava a 61%.
"O uso de droga injetável praticamente acabou. Uma das razões é que o efeito da cocaína aspirada é mais rápido do que a injetada. A outra é tentar evitar o contágio da Aids", diz o cancerologista Dráuzio Varella.
Segundo os infectologistas, o risco de se pegar Aids compartilhando o cachimbo de crack é muito menor do que dividindo uma seringa, mas existe.
Para haver contágio é preciso que uma pessoa com o vírus fume o crack e deixe sangue contaminado no cachimbo.
A próxima pessoa a fumar precisaria ter um ferimento na boca para se contagiar. Não há casos confirmados de transmissão por essa via.
"O risco de contaminação existe e não podemos desprezá-lo. O melhor é não compartilhar o cachimbo", diz o infectologista Vicente Amato Neto, 67.
"A possibilidade é remotíssima", contesta o infectologista Ricardo Veronesi, 70
"É possível, mas é muito difícil reunir todas os fatores necessários para que haja a transmissão", diz Caio Rosenthal, 46.
Para ele é o mesmo caso de alguém com a boca sangrando, que divide a escova de dentes com quem tem ferida na boca.
Se o risco de contágio direto é discutido, os especialistas apontam outro meio de transmissão da doença entre viciados em crack: a prostituição.
Segundo Dráuzio Varella, estudos feitos em Miami e Nova York mostram que 20% das mulheres e 14% dos homens que usam crack têm Aids sem nunca ter usado droga injetável.
"O cara faz de tudo para ter dinheiro para comprar a droga. Inclusive vender o corpo."

LEIA MAIS
sobre Aids e drogas à página 6-2

Próximo Texto: Viciada perdeu 18 quilos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.