São Paulo, sábado, 29 de abril de 1995
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Vivendo na esperança

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Quando pensamos na morte, é comum passar logo para outro assunto, como quem muda de estação de rádio. Preferimos levar à frente as lutas pela sobrevivência de cada dia, adiando para mais tarde tudo que nos fala da própria morte. Para sermos felizes, no entanto, não basta prolongarmos os anos de vida terrena, misturando alegrias e sofrimentos, é preciso acreditar na vida eterna.
Há em nós um anseio profundo de viver e ser feliz, inscrito pelo próprio Deus em nosso coração. Os filósofos antigos já percebiam, nesse anseio de vida plena, a prova de que a pessoa humana não seria destruída pela própria morte. Esta crença na sobrevivência se manifestou, também, no culto aos antepassados e na expectativa de um reencontro feliz.
A experiência pessoal da descoberta de Deus, presente e atuante na história, consolidou ainda mais a esperança da felicidade futura.
O céu existe? A resposta mais vigorosa a esta pergunta nós a temos pela ressurreição de Cristo, cerne do evangelho, prova do amor divino que vence definitivamente o pecado e a morte. É esta alegria da ressurreição gloriosa que se manifesta ao longo dessas semanas, no canto litúrgico do "Aleluia", e repercute nas comunidades que procuram praticar o mandamento do amor fraterno, e celebrar, de modo festivo, a cada domingo -o dia da ressurreição do senhor Jesus.
Os cristãos, reavivando a fé na vitória sobre a morte, agradecem a promessa de que, também, cada um de nós, com auxílio do perdão e da graça divina, haverá de ressuscitar para a vida feliz.
Embora esta seja a nossa esperança, agimos na ilusão de que permaneceremos sempre nesta vida terrena. Daí o misterioso apego aos bens materiais e até o exagero na acumulação de riquezas, sem partilhar com os outros.
O tempo pascal nos ajuda a aprofundar mais a fé na Ressurreição. Não se trata de esquecer o empenho de todo cristão em transformar o mundo, a fim de que seja justo e solidário e que deve estar sempre presente na ação pastoral da Igreja. Este é um compromisso evidente para os discípulos de Cristo. Falta-nos, no entanto, assumir com mais naturalidade que a permanência nesta terra é breve e de que, embora lutando sempre pela justiça social, estamos a caminho para a vida definitiva.
Daniel é um menino doente. Tem oito anos e reside na "Casa Vida", na zona Leste de São Paulo, organizada pela paróquia de São Miguel, para crianças portadoras de HIV. Franzino e de olhar penetrante, sorri, brinca com seus amiguinhos e fala, com simplicidade, das coisas de Deus e do céu. Parece que aguarda apenas, a qualquer momento, mudar de endereço e ir para a "Casa do Pai". Como o pequeno príncipe, Daniel, sempre sorrindo, nos ajuda a libertar o coração dos apegos terrenos e ver o mundo à luz da ressurreição de Cristo.
O importante para nós é descobrir que o empenho pela justiça inclui a certeza da vida eterna. A prática do amor vence o egoísmo, une os corações e inicia, já nesta terra, com gestos concretos de partilha e reconciliação, a comunhão com Deus e entre nós.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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