São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995 |
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Para italianos, é preciso globalizar leis e repressão
HUMBERTO SACCOMANDI
Essa é a opinião dos promotores italianos Saverio Borrelli, Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, que conduzem a operação Mãos Limpas em Milão. Essa operação, que começou em fevereiro de 1993, revelou uma enorme rede de corrupção na Itália, envolvendo políticos, empresários e administradores públicos. Até agora, mais de 2.700 pessoas foram investigadas, sendo 80 parlamentares. Houve 1.000 processados. Desses, 750 já estão presos, incluindo quatro ex-ministros. Os três promotores vieram a São Paulo nessa semana e falaram à Folha sobre crime organizado. Folha - A globalização da economia e a liberalização das finanças ajudam o crime organizado? Gherardo Colombo - Ajudam, pois não houve uma liberalização na atividade de repressão. Nós nos encontramos sempre bloqueados em fronteiras e leis diferentes. Quem comete crimes, no entanto, pode circular livremente. Folha - O FMI estima o faturamento do crime organizado em US$ 750 bilhões por ano. Como se combate essa potência? Piercamillo Davigo - É preciso tornar eficaz a colaboração entre os países. Esse é um fenômeno que supera a capacidade de repressão de qualquer país, até dos maiores. Sem uma cooperação internacional das polícias e dos sistemas judiciários é impossível enfrentar esse crime organizado. Folha - O crime se internacionalizou mais que a polícia? Davigo - Sim. É preciso rapidamente tornar mais homogêneas as leis nos vários países. Se as leis de um país permitem o que é proibido em outros lugares, a atividade criminosa logo se transfere para lá. Folha - Como, por exemplo, os paraísos fiscais? Davigo - Sim, os paraísos fiscais (onde os impostos são favoráveis), bancários (onde as normas bancárias são favoráveis), empresariais (onde as regulamentações de empresas são favoráveis) e cambiais (onde as normas de câmbio são favoráveis). Folha - Vocês têm uma proposta quanto a esses paraísos? Davigo - Manter distintos o aspecto fiscal da transparência de operações. Muitos países, para incentivar o estabelecimento de empresas, concedem isenções fiscais. É preciso, porém, exigir a transparência contábil dessas empresas, mesmo que isso não seja usado para taxação local. É preciso poder identificar quem move o dinheiro, quem está por trás de uma empresa. Não é admissível o segredo societário. Folha - Isso implica o fim do sigilo bancário. Mas países europeus ainda resistem a isso? Colombo - Há resistência, mas não uma resistência de princípio. O sigilo bancário é superável em pedidos de colaboração judicial. Frequentemente, porém, o procedimento é longo demais. Passam-se anos antes de conseguirmos as informações. E a nossa melhor arma contra o crime é a tempestividade. Isso é essencial. Folha - E que outras armas vocês usaram para combater a corrupção na Itália? Saverio Borrelli - Na Itália são os promotores que conduzem as investigações. Podemos, sem autorização de juízes, pedir quebra de sigilo bancário, confiscar documentos, fazer prisões preventivas e escutas telefônicas. Folha - Há relação entre máfia e corrupção política? Colombo - Sim. Por exemplo, os canais de reciclagem do dinheiro, que transformam o dinheiro de proveniência ilegal em dinheiro de aparente proveniência legal, são mais ou menos os mesmos usados por políticos corruptos e narcotraficantes. Folha - A narcocracia ou criminocracia, isto é, o poder político do crime em vários países, é o maior desafio às democracias? Colombo - Certamente o maior desafio à estabilidade democrática em muitos países são essas elevadas fontes de renda de organizações que praticam não somente o narcotráfico, mas qualquer outro tipo de atividade ilícita. Folha - Quais áreas do mundo são as mais "quentes"? Davigo - Temos um problema grave com a América Latina, de onde há um grande fluxo de cocaína para os EUA e a Europa. Boa parte da carga européia passa pela Itália. Além disso, do Oriente Médio e do Extremo Oriente vem a heroína. Recentemente tivemos informações de que a heroína também está sendo produzida na América Latina. Borrelli - Em termos de sigilo fiscal e lavagem de dinheiro, temos problemas com Ilhas Virgens, Hong Kong, Ilhas do Canal, Suíca, Luxemburgo e Leste Europeu. Folha - Como melhorar a cooperação entre as polícias? Davigo - Como disse, pouco se obtém quando as legislações são diferentes. No Panamá, por exemplo, é possível montar empresas e fazer assembléia de sócios por fax. Na Itália deve haver um registro público dos sócios. Folha - Mas o Panamá nunca terá interesse em acabar com isso, pois é uma fonte de renda? Davigo - Mas é do interesse dos outros países que isso acabe. Bastaria a esses países proibir operações com empresas que não aceitam essas regras de transparência. Texto Anterior: Tenha medo Próximo Texto: EUA gastam US$ 67 bi no combate às drogas Índice |
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