São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Recuerdos de Castiñeira

SÉRGIO DÁVILA

Na madrugada de 4 de fevereiro passado, o domador de leões, professor de Moral e Cívica, ex-campeão de judô e suposto chantagista pernambucano Demétrio Tenório de Mello, 39 anos, foi encontrado morto num terreno baldio do bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro. Tinha nove tiros
nas costas e um no punho, disparados por um revólver calibre 45 e uma pistola 9 mm. Em suas coisas, no apartamento térreo de um feio prédio de quatro andares na rua Xavier Leal, em Ipanema, os investigadores da polícia deram com o bilhete (literal): "Rio, 17 de dezembro de 1994. 10h30. Qualquer fato (morte por assassinato) está vinculado à Veronica Castinera e Dario Mecel do Banco Dimensão".
O segundo nome, na verdade do engenheiro carioca Dário Messer, cuja família é dona do banco Dimensão, não nos interessa, agora.
Preocupemo-nos com o primeiro, mais saboroso. É da empresária, socialite e modelo paraguaia Zuñilda Veronica Castiñeira Leguizamon, que desde 1986 faz a ponte aérea Rio-Assunção. Até então, Veronica Castiñeira aparecia nas dóceis colunas sociais. Agora, passa às inclementes páginas policiais.
"Bôsta de país"
"Não tenho culpa de um marchinal ter colocado meu nome num bilhete", defende-se Veronica, em portunhol, reproduzido em algumas falas para maior fidelidade.
Segundo ela, a polícia investigou sua vida e só encontrou "um imposto predial de R$ 2.300 que eu esqueci de pagar no ano passado". E mais: "Já estou de saco cheio desta bôsta de país que é o Bracil".
De verdade, a equipe da Corregedoria da Polícia Civil do Rio, chefiada pelo delegado Milton Olivier, já não suspeita de Veronica, que chegou a depor. As diligências apontaram para outro lugar.
O domador teria sido morto, em represália a uma dívida de contrabando, por integrantes da violenta máfia calabresa N'Dranghetta -daí o tiro no punho, vendeta clássica.
O caso foi parar na corregedoria porque se pensava, de início, que o crime teria sido executado por policiais -hipótese também já deixada de lado. Mas os spots insistem em brilhar na socialite paraguaia -"verdadera, no falsificada", diz.
Oito fitas com telefonemas, mais fotos, agendas e anotações deixadas por Demétrio Tenório de Mello foram apreendidas pela polícia e conteriam informações explosivas.
Segundo um policial envolvido nas investigações, tem para todos: tráfico de drogas no high society, contrabando, prostituição de luxo, tudo envolvendo nomes e mais nomes conhecidos.
O de Veronica é recorrente. O bilhete, então, funcionaria apenas como a falsa ponta de um iceberg real, de tamanho e profundidade insuspeitados.
Mulher de O.J. Simpson
Entre o bilhete achado e o desvio de rumos da investigação -ou, pelo menos, a atenuação das suspeitas-, sociedade e imprensa cariocas já tinham execrado, julgado e condenado Veronica Castiñeira.
Na verdade, desde que começou a circular pela noite do Rio de Janeiro, em 1986, ela nunca foi aceita sem restrições.
Parte das suspeitas vem de seu espalhafatoso estilo de vida. A cada saída -e ela sai muito, adora festas-, Veronica movimenta um numeroso séquito. É namoradeira, está sempre a bordo de lustrosos Mercedes ("tenho Mercedes desde os 17 anos"), paga contas.
E distribui presentes -anel de ouro para um coreógrafo, filmadora para uma modelo, cirurgias plásticas com Ivo Pitanguy para amigas menos favorecidas pelo bolso e pela natureza, capital para um jornalista criar uma revista em cujas páginas a mecenas nunca figurou...
Outra porção da desconfiança geral está na origem de sua controversa fortuna. Por conta disso, Veronica só não foi ainda acusada de ter matado a mulher de O. J. Simpson (leia texto à página 24).
Uma socialite, que prefere não se identificar (como 90% das pessoas ouvidas quando o assunto é Veronica), define, numa frase: "Todos sempre se perguntaram qual seria o grande mistério dela".
"Negócios para estrangeiros"
Não é grande, segundo a própria. Sua fortuna pode ser "de US$ 2 milhões a US$ 100 milhões, mas tudo legal, fruto do meu trabalho".
Ela não tem negócios no Brasil. Só dois bons apartamentos (coisa de US$ 500 mil) no condomínio Praia Guinle, na praia do Pepino, em São Conrado.
É o mesmo condomínio em que moram Boni, segundo nome da Rede Globo, os músicos Gilberto Gil, Simone e Gal Costa, o ex-presidente Figueiredo. "Já foi chamado de 'Gaiola das Loucas' e 'Condomínio das Vaidades"', diverte-se ela. Em sua garagem, descansam um Mercedes conversível 95, uma BMW e um jipe Suzuki do mesmo ano.
Veronica tem casas no Paraguai, na Argentina e nos Estados Unidos. De uma sede em Assunção, comanda duas empresas locais, a Itapar, que exporta madeiras para o exterior, e a ZC S.R.L., "que trata de negócios para estrangeiros". E só. Só?
Segundo ela, todo o diz-que-diz a seu respeito vem do fato de ser paraguaia. "Bocês tienem prerruício dos paraguaios. Meu país é um puerto libre, mas parece que somos todos contrabandistas, traficantes."
Exalta-se: "Los brasilenhos que van comprar muamva em mi país, los brasilenhos que van bender carros robados por lá". Segundo sua teoria, a população inteira do Paraguai -4 milhões de pessoas- seria incapaz de dar conta do tanto de carros que se roubam no Brasil.
Seios reais
Veronica, a pessoa, é morena sestrosa de 1,74 m, 60 quilos e medidas 90, 63 e 90. Tem os cabelos pretos escorridos, olhos negros espichados, sobrancelhas delineadas, seios fartos. "São meus mesmo, reales", garante. "Até ochi só fiz plástica nas sobrancelhas."
No dia 20 de junho próximo, ela deve completar 40 anos. Ou 36 anos. Ou 30 anos. Ela prefere e declara este último. As duas primeiras idades estão respectivamente em dois passaportes de Veronica.
A última, ela esclarece: "Em meu país, na época da ditadura, podia-se qualquer coisa. Então, pedi que alterassem minha idadgi duas vezes, para que eu pudesse trabalhar mais cedo. Eu tenho 29 anos".
Filha do comerciante José Yassav Castiñeira, 62, e da dona-de-casa Selva, 54, Veronica nasceu na pobre cidade de Ybicuí, a 120 quilômetros de Assunção, e tem sete irmãos. Estudou em Montevidéu e Buenos Aires e cursou até o terceiro ano de Economia na Universidade Católica de Assunção.
Já trabalhou como atriz, na recente minissérie "Rios de Fuego", no canal 13 paraguaio ("agora eles querem fazer outra minissérie, sobre minha vida"). E fez uma ponta na telenovela "Pacto de Sangue", em 1989, exibida pela Globo.
Veronica é católica praticante. Adepta dos esportes, fuma cigarros -Yves Saint-Laurent mentol, dos quais ela corta a ponta ("é muito grandgi"). Gosta de ler sobre política e história antiga.
E tem um filho brasileiro de 10 anos, cujo nome, Alain Paolo, é uma homenagem dupla -ao piloto francês Alain Prost e ao futebolista italiano Paolo Rossi.
"No vevo, no fumo, no tchero"
Alain Paolo veio do segundo casamento, com o narcotraficante brasileiro Adilson Rossati, rei da rota Ponta Porã-Pedro Juan Caballero.
Antes, foi casada com o arquiteto paraguaio Edgar Cristaldo, união anulada três meses depois. "Tinha 17 anos, meus pais eram contra."
Rossati morreu em 1993, no hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. De septicemia causada por ferimento a bala que sofreu em tiroteio com um instrutor de tae kwon do, em Pedro Juan Caballero.
Veronica não gosta de falar no assunto. "Como eu ia saver das atividadgis dele? Na mia frentchi ele nunca fez nada", garante. "E eu no vevo, no fumo e no tchero." A empresária/modelo tem como grande orgulho a sua independência.
Seu começo no mercado de trabalho é singular. Aos 17 anos, desfilou como modelo para uma revendedora de automóveis Mitsubishi, em Assunção. "Como era muito bonita, o proprietário me contratou em seguida, para vender".
Um dia, o filho do general Juan Antonio Cáceres, ministro das Obras Públicas e Comunicação da ditadura (1954-1989) do generalíssimo Alfredo Stroessner, se encantou por Veronica. O dono da revendedora, "um japonês esperto", estava numa concorrência para venda de caminhões justamente sob responsabilidade desse ministério.
Prometeu a Veronica que, se com sua influência, ela garantisse a vitória da revendedora, levaria 3% do valor. A modelo/vendedora pediu 10%. Fecharam por 5%.
Veronica conseguiu ("na ditadura era muito importante ser amiga dos poderosos"). E levou quatro automóveis como comissão.
Abriu sua própria loja de carros importados. "E foi aí que começou minha fortuna", diz. O resto, para ela, é intriga de "chornalista desocupado". "E eu não posso matar todos los chornalistas ni colocar una fita adesiva em suas vocas."
Para tanto, Veronica prepara, com seu advogado, "processos contra sete ou oito grandes chornais e revistas do Bracil". Se o juiz for honesto, diz ela, "ficarei rica".
Mais rica, ela quer dizer.

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