São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Brasil sorri amarelo no centenário de HQ

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Cem anos atrás, todos deviam achar que, dali a cem anos, o evento mais memorável de 1895 seria o fim da guerra do Japão com a Rússia ou o começo da guerra entre a Itália e a Abissínia. E, no entanto, as novidades mais marcantes de 1895 acabaram sendo três maquinações nada bélicas do engenho humano. Ou, melhor dizendo, três invenções que revolucionaram a vida de todos nós.
Em 1895, inventaram, oficialmente, o cinema, e, concretamente, o Raio-X e o telégrafo sem fio. Também naquele ano surgiu algo cuja importância demorou a ser reconhecida. Para todos os efeitos, as histórias em quadrinhos nasceram na mesma temporada em que os irmãos Lumière projetaram em público as primeiras imagens em movimento.
Filme, comunicação à distância, ficção gráfica. Alguma dúvida de que a civilização moderna acabara de nascer?
A história dos quadrinhos -ou ``funnies" (de ``funny", engraçado em inglês), como a princípio foram chamados- está estreitamente ligada à da modernização da imprensa. Seu primeiro herói, ``Yellow Kid" (Garoto Amarelo), foi peça fundamental na criação dos suplementos coloridos dominicais da imprensa norte-americana e, por tabela, da expressão ``jornalismo amarelo", sinônimo de sensacionalismo, no Brasil conhecida por outra cor (marrom).
Dois impérios jornalísticos disputavam as bancas da América, no final do século 19. De um lado, o de William Randolph Hearst (futuro modelo do Cidadão Kane); do outro, o de Joseph Pulitzer (futuro padroeiro do prêmio jornalístico mais importante dos EUA). Hearst tinha o ``New York World" e Pulitzer, o ``New York Journal". Achavam ambos, com razão, que a guerra entre os dois seria decidida aos domingos por quem dominasse primeiro a impressão a cores.
O ``World" largou na frente, a 5 de maio de 1895, estampando dois desenhos de Richard Outcault, encimados pelo título ``At the Circus in Hogan's Alley". Seus protagonistas eram moleques de rua, das zonas pobres de Nova York, todos em preto e branco. No meio da corriola, um garoto cabeçudo e orelhudo, metido num camisolão. Detalhe: o camisolão era colorido. De azul. Só no ano seguinte, ele se tornaria amarelo. Só em 1896, também, surgiriam nos desenhos de Outcault os primeiros balõezinhos, apêndices fundamentais do gênero.
As travessuras do Garoto Amarelo não foram bem recebidas pela maioria dos leitores mais velhos. Mas, de imediato, ficou claro que a birra não era, exatamente, com as peraltices dele, mas com o ambiente em que circulava e com o seu jeito esmolambado. Haja vista a aceitação instantânea, sete anos depois, de Buster Brown (Chiquinho, no Brasil), do mesmo Outcault. Chiquinho era um infante muito mais irrequieto que o Garoto Amarelo, só que de alta classe média, alourado, gracioso e mauricinho.
E Nhô Quim? -há de perguntar os que se interessam pela arqueologia dos quadrinhos. Nhô Quim, informo aos leigos, é o 14-Bis dos quadrinhos. O que faz do italiano, radicado no Rio, Angelo Agostini, uma espécie de Santos Dummont do gibi. Na revista ``Vida Flumimense", de 30 de janeiro de 1869, ele desenhou o que alguns brasileiros consideram a primeira história em quadrinhos digna deste nome: ``As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de Uma Viagem à Corte". Talvez tenha sido, mas Outcault, como os irmãos Wright, ficou com a fama.
Não obstante, um brinde ao gringo. E um sorriso. Ainda que amarelo.

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Sobre os cem anos da HQ às págs. 6-2, 6-4, 6-5 e 6-8

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