São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Se a gente legalizar já, o Planet Hemp vende menos

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pela milionésima vez rola um certo bafafá com essa história de legalizar ou não a maconha. Depois do ministro da justiça levantar a lebre no começo do ano, agora foi por causa de um vídeo da banda Planet Hemp que foi ``mezzo" censurada na MTV.
Por partes. O Planet Hemp é uma banda muito legal. É carioca, e mistura rap com reggae e hardcore mais um certo sotaque brasileiro.
Seu disco é a boa estréia do selo SuperDemo, marca alternativa da gravadora Sony Music, que é resultado daquele famoso festival de novas bandas capitaneado pela Elza Cohen.
Bem mal comparando, o SuperDemo é o Banguela do Rio. A próxima banda a lançar disco também é bala: o Jorge Cabeleira, de Recife.
O ``causo" é que a estréia do Planet Hemp se dá com a música e o clipe ``Legalize Já", que propõe a descriminalização do consumo de maconha. A Justiça engrossou, e a MTV garantiu a exibição -mas só depois das 23h30.
í volta aquela velha discussão sobre maconha. Quando se chega na minha faixa etária é meio fácil dispensar a questão como papagaiada de quem não tem o que fazer, ou de criança. Quem quer fumar maconha, fuma, quem não quer, não fuma.
Mais ou menos. Tem muito garoto sem dinheiro indo em cana por ter sido pego fumando. Tem muito garoto com dinheiro sendo achacado pela polícia para sair livre. Tem muito pai e mãe acreditando piamente que maconha é um monstro dos infernos que vai levar o filhinho para a perdição.
Bom, do ponto de vista puramente musical -isso aqui é, talvez bem em última análise, uma coluna sobre música-, maconha é fundamental. Sem maconha não existiria boa parte do blues e do jazz. E nem Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix. Nem Caetano Veloso e Gilberto Gil. Nem Duran Duran, U2 e Guns'N Roses. Nem coisíssima nenhuma. Não existe pessoa ligada ao rock que não fume, ou tenha fumado maconha.
É muito fácil um garoto de classe média ser contra a descriminalização da maconha ou do aborto. Claro, se ele dançar, o papai morre com uma grana e o garoto sai livre. Se a menina engravidar, mamãe banca o aborto. Quem não tem dinheiro que se lixe.
Acho que quem é contra a descriminalização da maconha tem que ser contra o uso da maconha, não fumar mesmo. E quem é contra a descriminalização do aborto não pode fazer aborto. Se não, é preconceito de classe e elitismo.
Se a maconha fosse descriminalizada, eu me sentiria muito livre para dizer para você que já vi amigo meu apanhando da polícia por causa de meio baseado. Ou que literalmente todas as pessoas da minha idade que eu conheço ou fumam, ou já fumaram. Ou que conheço um cara que já deu US$ 7.000 de suborno para escapar da cadeia.
Se a maconha fosse legalizada, muito tira aqui e no resto do mundo estaria desempregado. Se maconha fosse legalizada, o cânhamo também seria e viraria uma fibra muito útil para se fazer todo tipo de roupa -entre várias outras coisas.
Se a maconha fosse legalizada, quem fumasse maconha não tinha que lidar com bandido. Se a maconha fosse legalizada, o Planet Hemp vendia menos discos.
Se a maconha fosse legalizada, eu até poderia te contar minhas parcas e pobres experiências com esse perigoso estupefaciente, e explicar direitinho porque estou guardando o consumo de maconha para minha velhice, quando, pelo que eu sei, a insônia é bem mais comum.
Mas fumar maconha é proibido e ilegal. Por enquanto. Então, fique esperto.

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