São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Uma loucura aqui e outra lá não matam

MARCELO PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A universidade, aqui, custa uma nota preta para quem não tem bolsa. O sistema, diferente da maioria das universidades, é trimestral; você faz um curso em três meses, lê tudo o que tem que ser lido em três meses, faz os exames e os trabalhos e é avaliado a cada três meses. O que tudo isso implica?
Neguinho aqui não perde tempo. Não pára de estudar, está sempre ocupado, atrás das bibliografias ou ``papers" e não das meninas, o que seria natural num ambiente universitário. Não namoram, não testemunham o pôr-do-sol, não abrem os braços para chuva, nem exploram, com o olhar, as curvas da garota que passou. E a garota que passa também está sempre atrasada.
E muitas Carols, Susans e Amys reclamam da solidão irreversível da vida acadêmica de Stanford. Tentei o que qualquer mortal tentaria: ``Relax..." Adiantou? Evidente que não. Estamos no meio de um dos trimestres e a única vez em que conversei com uma Susan foi no elevador da biblioteca, por 17 segundos, já que ela estava atrasadíssima com um ``paper". Minha sorte é que aprendi, há muito, a perder tempo, olhar para o nada e vagar pela chuva.

Maíra era uma estudante muito popular da ECA; uma birutinha riponga que fazia topless na piscina da USP. Mandava bilhetinhos com ameaças de morte a estudantes que fumassem nas aulas e transava no sofá do Centro Acadêmico. Um dia, numa aula seriíssima e pretensiosa (como tudo na ECA), deu a louca na Maíra. Levantou-se, foi tirando a roupa, até ficar nua, na frente de todos.
Desde então, toda vez que assisto a uma aula seriíssima, penso em Maíra e imagino o professor começar a dançar uma rumba ou fazer um strip. Ou uma mulher gritar e se jogar pela janela, ou um casal começar a trepar na frente de todos, ou um negro matar um branco, ou alguém soltar um peido alto, ou alguém entrar vestido de Jesus.
Hoje, a aula foi sobre ``A História da Loucura", de Foucault. Juro pela saúde da minha vovozinha, mas a mocinha na minha frente colocou a mão no colo do rapazinho ao seu lado (que tudo indica, namorado), abriu o zíper de sua calça, tirou o belo para fora e começou a manipulá-lo, sem chamar a atenção. Não sabiam que eu estava atrás. Não sabiam que eu via tudo. E sabiam que Foucault aprovaria. Vê-se que, apesar de sempre ocupados, arrumam um tempinho para loucurinhas, nem que sejam rapidinhas. Maíra não foi tão longe...

MARCELO RUBENS PAIVA está em San Francisco (EUA) como bolsista da Knight Fellowship, na Universidade de Stanford.

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