São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Livros restauram imagem de Monteiro Lobato

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O lançamento do livro ``Um Jeca nos Vernissages", de Tadeu Chiarelli, e o relançamento de ``Urupês" e ``Negrinha", os livros de contos de Monteiro Lobato (1882-1948), podem mudar o verbete que as pessoas trazem na cabeça quando se trata de Lobato:
Lobato, Monteiro: autor de livros infantis que foram adaptados para a televisão sob o título ``Sítio do Pica-pau Amarelo"; panfletário nacionalista, preso durante o Estado Novo (1937-1945); crítico de arte antimodernista que acabou com a carreira da pintora Anita Malfatti (1896-1964).
O livro de Chiarelli é um longo ensaio contra este último item. Estuda o Lobato crítico de arte e a ``desautorização preconceituosa" que sofreu depois do artigo ``Paranóia ou Mistificação?" em 1917.
No artigo Lobato criticou uma exposição de Malfatti e a influência dos ``futurismos" em sua pintura. Para ele, cada arte, como as ciências, tem suas leis (proporção, simetria etc.), e Malfatti era excelente artista quando as cumpria.
Chiarelli mostra que, apesar dessa visão conservadora, Lobato não era um ``reacionário", defensor de uma arte antiga, idealizada -acadêmica, em suma-, mas um crítico vivo e influente.
``Na crítica de arte paulistana ele era o mais capacitado e original dos críticos", diz Chiarelli, também crítico de arte.
Atirando contra o reducionismo que historicamente o pensamento de Lobato sofreu por causa de seu artigo contra Malfatti, Chiarelli esclarece seu papel na implantação do modernismo no país.
Um papel que era reconhecido por figuras eminentes do modernismo que ganharia este nome em 1922. Como Oswald de Andrade.
O que seria do modernismo do autor de ``Memórias Sentimentais de João Miramar" sem a exaltação da cor local, da necessidade de captar as falas, costumes e imagens brasileiras?
Pois foi Lobato quem adubou esse terreno -e não só nas críticas de arte, mas também nos contos. O próprio Oswald reconhecia.
O que Chiarelli narra e demonstra é que os modernistas, como Mário de Andrade, acabaram adotando ``a estratégia de eleger Lobato como algoz de Malfatti" e, portanto, do modernismo.
Essa estratégia foi torpe. Consistia em acusar Lobato de ter lançado Malfatti numa depressão que a fez abandonar a ousadia modernista. Sem aprofundar a acusação, sem argumentar -e sem dar nunca mais o crédito a Lobato por ter aberto algumas picadas no academismo metido a europeu que era dominante no Brasil.
Assim, o mérito do livro de Chiarelli é mostrar o Lobato crítico em toda sua dimensão e, desse modo, balançar hoje uma série de idéias prontas sobre o modernismo e os modernistas brasileiros.
Mais dois exemplos importantes: Chiarelli contesta a mistificação da burguesia paulista (dita ``heróica" por Mário, por ter se arriscado em nome do modernismo) e a paranóia de atribuir a Lobato a depressão de Malfatti.
Comparando a crítica de Lobato às outras publicadas sobre a exposição de 1917, Chiarelli não deixa dúvida: Lobato era o melhor. Mesmo conservador e nacionalista demais para os padrões estrangeiros, tinha a mente mais aberta.
E, como um crítico fica pelos artistas que valoriza -mais do que pelos que ataca- e pelo texto que escreve, Lobato foi o primeiro a dar o devido respeito ao escultor Victor Brecheret (1894-1955) e o primeiro grande polemista do jornalismo brasileiro, com um humor afiado e inventivo sem igual.
O livro de Chiarelli, por sinal, recupera apenas uma faceta do escritor interessante e desconhecido que é Lobato. Há outras: além do crítico e do contista, o epistológrafo e o político-empresário.
Elas esperam uma biografia à altura -uma biografia que também seria a prova de que, no Brasil, quem tem talento não tem paz.

Livro: Um Jeca nos Vernissages
Autor: Tadeu Chiarelli
Preço: não-definido
Lançamento: dia 5
Livros: Urupês e Negrinha
Autor: Monteiro Lobato
Preço: R$ 17 (capa dura) ou R$ 10

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