São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Macedônia é ameaça de nova guerra nos Bálcãs

JAMES BAKER

O primeiro grande conflito europeu deste século teve início nos Bálcãs. Se não tomarmos cuidado, é possível que o último também comece ali. Três anos após o início da guerra na Bósnia-Herzegóvina, as atenções internacionais continuam voltadas aos acontecimentos nessa trágica nação.
Mas a Macedônia talvez seja um ponto de explosão ainda mais perigoso nos Bálcãs. A não ser que a comunidade internacional adote medidas enérgicas, é possível que assistamos ao irromper de uma guerra geral nos Bálcãs, na qual as potências européias e talvez até mesmo os EUA se envolvam. E não haverá medidas enérgicas desse tipo sem uma liderança norte-americana decidida.
A importância estratégica da Macedônia transcende suas dimensões, que são aproximadamente as mesmas de Vermont (Estado americano), e sua população, apenas um pouco superior a 2 milhões.
A Macedônia é importante devido à geografia inóspita dos Bálcãs e à volátil mistura étnica de sua própria população.
A tensão entre a maioria macedônia do país e sua minoria albanesa, estimada entre 20% e 40% do total, já atinge níveis altos.
Se essa tensão aumentar, a ponto de transformar-se em guerra civil, pode vir a provocar uma intervenção da Albânia, a oeste.
O conflito poderia atravessar a fronteira setentrional da Macedônia com a Sérvia, que abriga uma população albanesa grande e intranquila, em Kossovo.
A Grécia, já consumida por uma disputa acirrada com a Macedônia, poderia ceder à tentação de se envolver na guerra. A Turquia, a Bulgária e outros países poderiam seguir seu exemplo.
Num cenário desse tipo, os países da Europa Ocidental, os EUA e até mesmo a Rússia poderiam ser obrigados a tomar partido -com consequências desastrosas para a paz na Europa.
Está claro que a administração Clinton tem consciência dos riscos representados pela situação vigente na Macedônia, mas ela parece não estar disposta a tomar as medidas decisivas necessárias para lidar com eles.
Já há 550 militares norte-americanos na Macedônia, integrando uma força de observação das Nações Unidas (ONU) -ostensivamente para manter a estabilidade no país.
A administração Clinton parece estar cogitando enviar outros 1.500 soldados, possivelmente como parte de um contingente da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) com as dimensões de uma divisão.
Mas, ao mesmo tempo que cogita aumentar nossa presença militar no local, a administração recusou-se a tomar uma posição firme contra o irresponsável embargo grego dirigido à Macedônia, que não possui saída para o mar.
O embargo foi imposto 14 meses atrás porque Atenas, por razões históricas, opõe objeções à bandeira da Macedônia e até mesmo a seu nome.
Em outra concessão a Atenas e à comunidade grega-americana nos EUA, a administração não enviou um embaixador norte-americano à capital macedônia, Skopje.
A abordagem da administração Clinton da Macedônia não é apenas confusa -é contraditória. Os EUA se vêem na grotesca posição de defender a integridade territorial de uma nação com a qual nos recusamos a manter relações diplomáticas plenas.
Não chega a surpreender que os argumentos oferecidos pela administração em defesa de sua política não resistam a um exame.
Por exemplo, um representante da administração já admitiu: "Dissemos repetidas vezes que o embargo é errado. Mas temos 150 anos de história de laços de amizade com a Grécia e não vamos destruir essa relação bilateral por causa dessa questão".
Essa afirmação soa falsa, vinda de um governo cujos atos levaram nossa relação bilateral com o Reino Unido, muito mais importante, ao nível mais baixo na história moderna.
Além disso, sua premissa é falsa: a relação EUA-Grécia é importante demais para os dois países para ser "destruída" pelo fato de Washington enviar um embaixador autorizado a Skopje.
Francamente, a sugestão de que Atenas poderia romper relações com Washington por esse motivo ou é espantosamente obtusa, ou é propositadamente enganosa.
Alguns dos parceiros da Grécia na União Européia são muito menos melindrosos do que Washington quando se trata de condenar o irresponsável embargo grego contra a Macedônia.
No ano passado, a Comissão Européia registrou uma queixa contra a Grécia na Corte Européia de Justiça, qualificando o bloqueio como ilegal e injustificado. A decisão final da corte deverá sair neste verão.
Enquanto isso, o embargo prossegue. Desde que foi imposto, a Macedônia já perdeu cerca de 50% de sua receita anual de exportações.
Hoje, o PNB (Produto Nacional Bruto) da Macedônia é aproximadamente metade do que era em 199, e o desemprego atinge mais ou menos 35%.
O embargo está agravando uma situação econômica já precária e contribuindo irresponsavelmente para o aumento das tensões entre macedônios e albaneses étnicos, que já ameaçam dilacerar o país. O governo moderado do presidente macedônio, Koro Gligorov, está cada vez mais instável.
Para tomar medidas decisivas em relação à Macedônia, a administração terá que opor resistência à comunidade grega-americana, que apóia a posição de Atenas, contrária à Macedônia.
Nunca é fácil, e muito menos agradável, confrontar um setor poderoso do eleitorado doméstico para atender aos interesses nacionais mais amplos.
A administração Bush adiou o reconhecimento pleno da Macedônia em parte devido às pressões políticas que sofreu durante a campanha presidencial de 1992. Foi um erro que eu, na condição de secretário de Estado na época, ainda lamento.
Hoje, com soldados americanos correndo riscos e o potencial de um conflito balcânico ampliado em nível muito mais alto, não existem desculpas que justifiquem nossa falta de ação.
Em primeiro lugar, a administração deve ir além da desaprovação "pro forma" do bloqueio, anunciando uma condenação inequívoca.
Ela deve também anunciar a indicação de um embaixador norte-americano e enviá-lo imediatamente a Skopje.
Esta iniciativa assinalaria claramente a Atenas e às outras capitais da região a seriedade de nosso compromisso em apoiar a independência e a integridade territorial da Macedônia.
Em segundo lugar, a administração precisa trabalhar em conjunto com seus aliados europeus ocidentais para traçar uma redefinição ampla da missão da Otan, para abranger a preservação da paz e da estabilidade na Europa.
Esta redefinição deve permitir que a Otan adote medidas militares em qualquer lugar e sob quaisquer circunstâncias em que a paz e a estabilidade estejam ameaçadas -desde que uma maioria ou supermaioria dos membros da aliança concordem.
Cinco anos após o final da Guerra Fria, a Otan ainda é uma organização que não conhece ao certo sua missão. Basta que ela pense em impedir uma guerra mais ampla nos Bálcãs.
Em terceiro lugar, a administração deveria tomar a dianteira, no interior da Otan, para forjar uma política efetiva de contenção de um conflito nos Bálcãs.
Essa política deveria começar com um aviso explícito da Otan a todos os vizinhos da Macedônia -Sérvia, Albânia, Bulgária e até mesmo a Grécia, integrante da Otan- de que qualquer aventureirismo na Macedônia seria visto como ameaça à paz e estabilidade européia, e se chocaria com a força total da aliança.
Se a Otan tivesse podido adotar uma posição semelhante em relação à Bósnia no início do conflito nesse país, talvez estivesse melhor preparada para lidar com o desastre que se seguiu, e talvez até mesmo para evitar que ocorresse.
Se a Otan agir agora, ela poderá evitar outro "poderia-ter-sido" de trágicas consequências. Mas não basta lançar avisos, como já deixou claro a política de ameaças vazias proferidas pela administração no caso da Bósnia.
Além do aviso, é preciso um recurso à força que seja digno de crédito. Isto significa tropas bem armadas em terra, respaldadas por forças aéreas. Uma força da Otan equivalente a uma divisão, que incluísse um componente norte-americano substancial, deve bastar.
Se não agirmos rapidamente, pode acontecer uma repetição do pesadelo bósnio, enquanto a Macedônia mergulha no caos.
Mas o que está em jogo, para os responsáveis pelo traçado da política americana, vai muito além dos interesses humanitários.
Os Estados Unidos já travaram três guerras européias neste século -duas quentes e uma fria- e isso já basta. Já deveríamos haver aprendido que não podemos ignorar um desafio fundamental à estabilidade européia.
Se a instabilidade geral se instalar na Europa -e a deterioração da situação na Macedônia corre o risco de provocar exatamente isso-, os EUA irão se envolver, quer o queiramos ou não. É melhor aceitarmos os custos implicados em impedir que isto aconteça, agora, do que pagar o preço de um conflito ampliado, mais tarde.

Copyright The Los Angeles Times Syndication

Tradução de Clara Allain

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