São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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"Como parece...": Darcy e Diogo

FLORESTAN FERNANDES

Os comentários de intenção crítica podem ser vistos como a cura dos furúnculos. Seus autores ora empregam com sagacidade o bisturi, ora optam, como o sargento de Baldus, pelo sabre e o iodo. Há também os que usam o tacape. Darcy Ribeiro e Adriano Diogo, por estranha afinidade, preferiram esta última técnica. Ambos são parlamentares: um, senador da República; o outro, vereador da Câmara paulistana.
A visão paroquial de Diogo (Painel do Leitor, 23/4) revela-se na atitude contra o ``tratamento de doenças". Um megaprojeto, como o sugerido pela equipe Raia, é descartado em favor da orientação preventiva. Em todos os países existe lugar para a prevenção e para o tratamento. Hoje, com a tecnologia médico-hospitalar tão complexa e cara, os grandes hospitais treinam especialistas de alto nível, realizam descobertas que só eles possuem recursos para produzir e desenvolvem tratamento em larga escala.
O tacape aparece numa suposição gratuita. Como paciente do dr. Silvano Raia, teria sido induzido por ele a dar apoio entusiástico ao seu projeto. Ora, fui atraído para a Unidade de Fígado do HC só muito recentemente. Por anos a fio, estive sob os cuidados dos drs. Helenita Sipahi, Maurício Ceschin, Paulo Sakai e, em seguida, do professor Luiz Caetano da Silva. A confusão é filha da ignorância dos fatos.
Darcy Ribeiro maneja o tacape no decorrer de todo o seu artigo (Tendências/Debates, 23/4). Gostaria de citar um excerto, que revela o traço autocrático do ``grande educador" e dono do saber: ``Como voz do PT e da CUT na Câmara dos Deputados, Florestan nos surpreende por sua paciência de ouvir tantos imbecis falando de educação e com seu inesperado populismo. Não é que nosso eminente sociólogo decide deixar a educação brasileira aos cuidados de quem a pratica, como os donos de escola, professores, alunos e funcionários?"
Anote-se que entre os ``imbecis" estavam alguns dos maiores especialistas e educadores, e que a formação dos professores, atualmente, os credencia para o conhecimento especializado da pedagogia, que tanta falta faz a Darcy Ribeiro. Os donos de escolas privadas não patrocinaram nem difundiram o projeto da Comissão de Educação. Fizeram-no com o de Darcy, graças a interesses comuns.
Não foi suscitado um ``conselho federal corporativista" que seja ``meu". Defendi na Constituinte sua extinção, em emenda que foi rejeitada. Na imaginação de Darcy surjo como o elaborador e proprietário de todo o projeto. Ele nasceu, porém, da colaboração dos vários partidos, ouvidas as sugestões mais valiosas de entidades, do Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública e de educadores e técnicos de renome, que deram contribuições próprias.
Chega a ser pusilânime a afirmação de que ignorei os estudantes pobres e que a versão da lei aprovada pela Câmara dos Deputados entronca-se à herança da ditadura. Por aqui penetramos no terreno da má-fé e da injúria. Lamento que um amigo íntimo se valha desse expediente em sua autodefesa. A minha vida, com fidelidade a origens de que me orgulho, e meu comportamento contra dois regimes fascistas -o de Getúlio Vargas e o dos militares- respondem por mim.

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