São Paulo, segunda-feira, 1 de maio de 1995
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Ajuste pela oferta e Constituição

ANTONIO KANDIR

Passados dez meses da implantação bem-sucedida do Plano Real, a indústria brasileira está próxima ao limite de utilização da capacidade instalada. Dito de outra forma, a economia nacional funciona a pleno vapor.
O expressivo crescimento econômico que se vem observando desde julho de 1994, com a taxa do último trimestre do ano batendo em 9,2%, é resultado direto do aumento da capacidade de compra provocado pela queda acentuada das taxas de inflação.
É, portanto, o próprio êxito de dez meses de Plano Real que coloca agora o desafio de evitar descompasso importante entre consumo e capacidade de oferta, esta em ritmo de crescimento mais lento do que o ritmo de crescimento daquele (dados recém-divulgados pelo Ipea, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, apontam um aumento do consumo da ordem de 20%; a alta, no caso de bens duráveis, chega à casa dos 56%).
Na superação desse desajuste entre a velocidade de crescimento da demanda e da oferta são inevitáveis medidas transitórias de contenção do ritmo de expansão do consumo, para evitar descontinuidade no processo de estabilização.
Elas, porém, precisam ser acompanhadas de mudanças que estabeleçam horizontes de estímulo à expansão da oferta, pois não havendo expansão da oferta doméstica, sobretudo num quadro de restrição externa, não venceremos o desafio de consolidar a estabilidade, tampouco de retomar o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis.
Para vencer esses desafios, tem grande importância a aprovação das emendas constitucionais que alteram o conceito de empresa nacional e flexibilizam os monopólios de telecomunicações, petróleo, gás e navegação de cabotagem, que avançam agora para fase decisiva na Câmara Federal. Vejamos por quê.
Não podendo mais se fazer, ao menos não de modo importante, por ocupação de capacidade ociosa, a expansão da oferta doméstica exige agora o aumento da capacidade instalada. Para tanto, é preciso haver forte incremento dos investimentos (os investimentos já vêm crescendo, é verdade, tendo atingido, em 1994, 17% do PIB, a mais alta taxa da década, mas não o suficiente).
São várias as condições para que haja forte elevação das taxas de investimento, e a permanência da estabilidade econômica é certamente a mais importante. Mas a estabilidade, sendo condição necessária, não é condição suficiente.
Indispensável também é haver expectativa positiva quanto à oferta de bens e serviços pertencentes à infra-estrutura econômica do país. Dito de outra forma, as expectativas quanto ao ritmo de expansão dos investimentos em infra-estrutura é determinante do nível presente dos investimentos em geral.
Para que não paire dúvida sobre esse ponto, tome-se o exemplo hipotético de um empresário que tenciona investir na construção de uma nova fábrica. Seu interesse não está em ganhos imediatos que possa obter, mas sim em verificar se o investimento é rentável como um todo, se será possível utilizar plenamente, com taxa de retorno adequada, a capacidade instalada de sua nova fábrica. Seu cálculo, portanto, é forçosamente de longo prazo.
Para ele, não interessa saber apenas quais serão as condições de oferta de infra-estrutura no próximo ano. Ele está olhando lá na frente. Interessa-lhe saber as condições de oferta, em regime permanente, no longo prazo.
Para verificar quais serão as condições da oferta no futuro previsível, será obrigado a tomar em consideração o montante de investimentos necessários, assim como a viabilidade de seu financiamento, para que a oferta se dê em condições adequadas.
Se a capacidade de investimento na área de infra-estrutura é menor que o montante por ele estimado como necessário, é de todo provável que desista de seu investimento. Pior ainda se houver bloqueios institucionais importantes que impeçam a mudança favorável desse quadro.
Os exemplos poderiam se multiplicar. Mas o que importa é reter o essencial: a permanecer sem solução a oferta de infra-estrutura adequada, problema que se acumulou em mais de 15 anos de ``desinvestimento" no setor, não haverá retomada do investimento em níveis necessários para sustentar a estabilidade e o crescimento econômico.
Sabemos que a retomada do investimento em infra-estrutura não poderá se fazer mais pela ``via tradicional". O Estado, que dos anos 30 aos anos 70 foi o grande provedor de infra-estrutura, já não tem mais como nem por que fazê-lo de modo quase exclusivo.
Para que se avalie a dimensão dessa impossibilidade, vale registrar a estimativa do governo de que são necessários cerca de R$ 72 bilhões nos próximos quatro anos para reerguer a área de infra-estrutura e colocá-la em condições de sustentar um crescimento médio de cerca de 5% do PIB.
Esse montante equivale a aproximadamente R$ 18 bilhões de investimento anual, muito acima dos R$ 7 bilhões que as empresas estatais estão aptas a investir em 1995.
Assim, a perdurarem as amarras constitucionais, continuará contido o ritmo de expansão do investimento em infra-estrutura, garroteando o processo de investimento como um todo e tornando medíocre o ritmo de expansão da oferta.
Não há, pois, como ser, ao mesmo tempo, favorável ao desenvolvimento e contrário a que os monopólios sejam alterados. As emendas do governo flexibilizando os monopólios representam dessa forma condição importante para a superação do descompasso conjuntural entre oferta e demanda e passo decisivo na construção de um novo modelo de desenvolvimento.

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