São Paulo, terça-feira, 2 de maio de 1995
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Senna teve poder da autotransformação

NUNO COBRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passei dois anos escrevendo um livro sobre a minha vida e o meu método de trabalho.
O capítulo sobre Ayrton Senna, no entanto, foi se fazendo tão rico e tão vasto, que acabou por se transformar em um livro à parte.
Conversei muito com ele sobre este segundo livro, quando fiquei em sua casa no Algarve, no litoral sul de Portugal, no final da temporada de 93.
Ele ficou empolgado. O livro tratava do nosso relacionamento naqueles dez anos e de sua incrível transformação física e mental.
Tínhamos combinado, então, fazer o lançamento no dia 6 de abril do ano seguinte, porque Ayrton estaria no Brasil, após o GP de Interlagos.
Qual não foi minha surpresa, quando no dia 2 daquele mês, logo após o treinamento, ele me disse que teria que partir para Paris para uma reunião com a Williams. Ayrton me disse que as coisas não estavam indo bem com a escuderia.
Lembro-me perfeitamente, ele me batendo nas costas, com aquele seu jeitão tão particular e carinhoso, e dizendo, com entusiasmo e segurança, para levantar meu ânimo:
``Nunão, fica frio. Vamos marcar outra data para o lançamento do teu livro, talvez após o GP de Mônaco, eu vou lá, venço outra vez, a gente vem para o Brasil e faz uma baita festa, vai ser um tremendo sucesso."
Ele realmente foi para Paris... Mas nunca mais voltou.
Tudo ficou terrível... aquele resto de 94 realmente para mim simplesmente não existiu.
Foi um tremendo `knockdown', saí do ar, perdi o pique.
Os fatos se sucederam, o tempo passou e eu fiquei engessado em meus pensamentos. O livro sobre ele, para mim, perdeu o sentido.
Apesar de saber que o Brasil e mesmo o mundo precisavam conhecer aquela outra faceta de seu ídolo, o incrível atleta e a extraordinária figura humana Ayrton Senna, eu não conseguia me articular.
Fiz agora, aqui na Europa, uma verdadeira redenção.
Percorri os nossos lugares comuns e tão queridos, fazendo uma tentativa de compreender o incompreensível, perceber o imperceptível. Enfim, tive a oportunidade de rever o Ayrton e sua obra, sua passagem meteórica e incandescente pela Europa.
Fascina-me o respeito e admiração que todos os povos têm por ele. Sem dúvida, ninguém levantou tão alto o nome de nosso país.
Por último passei por Spa, na Bélgica, revi o último hotel em que estivemos, aqueles cantinhos suaves de nossas conversas profundas e agradáveis. Estive nos mesmos bosques, florestas e campos deste tranquilo e pacato país.
Senti a presença muito forte dele em todos os momentos. Foi uma peregrinação fantástica e muito importante.
Voltei renovado e reenergizado por sua presença tão forte, pelo seu exemplo de luta e perseverança.
Não devemos lembrar da curva Tamburello, mas, sim, tirar proveito da sua incrível mensagem de fé e otimismo. Da sua incrível força no acreditar.
Queria passar neste dia a todos os brasileiros a grande mensagem do Ayrton.
Ele foi o exemplo mais concreto do poder da autotransformação. E eu fui testemunha disso por mais de dez anos.
Vi a forma decidida e corajosa, resoluta e incansável de como ele enfrentou seu antigo corpo e sua antiga alma, criando o poderoso Senna que todos conhecemos.
Esta é sua grande mensagem. Acreditar como ele acreditou, lutar como ele lutou e fazer do sucesso a constante em sua vida.
Não dar chance para a dúvida entrar em sua mente, estar sempre vigilante e voltado para a vitória.
Não vamos pensar em sua morte, mas na vida que ele deixou tão forte para todos nós.
Que fique sempre presente seu exemplo de superação, profissionalismo e imorredoura esperança. Que fiquem presentes as idéias das pessoas que criaram a história e fizeram as grandes conquistas.
Triste não é morrer por um sonho, mas é viver sem sonhar.

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