São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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morango, chocolate e tolerância

DO "EL PAÍS"

O sr., que fez a revolução, continuou fiel a ela durante sua vida?
Sim, acho que fui coerente.
O sonho acabou?
Quem não sente certo cansaço alguns dias, ao cair da tarde?
O que o sr. ainda espera de Fidel?
A realidade termina sempre por se impor. Com efeito, por mais teimoso que Fidel Castro seja, e aqui ele foi até um nível insuspeitado, a realidade se impôs.
O sr. é amigo dele?
Não o conheço pessoalmente.
O sr. não sente falta disso?
Você que está dizendo...
O que vai sobrar desta revolução?
Demos um salto gigantesco em relação ao que éramos, aos países latinos. Há valores, como saúde e educação, que ainda estão aí. Mas corremos o risco de perder tudo.
A economia está falida?
Acho que há problemas econômicos básicos. O que vai acontecer? O controle político não pode ser independente do processo econômico e esse desenvolvimento vai entrar em conflito em determinado momento. Não sei como as coisas vão ocorrer... O importante, porém, é que as pessoas consigam viver. Tendo o que comer e podendo se educar, e com acesso às riquezas espirituais, o que mais se pode querer?
Liberdade de expressão, por exemplo. Como o sr. lida com esta carência?
Sinto falta de informação, de contato com outras culturas. Agora, mais que nunca, sinto o fato de sermos uma ilha. Quanto à liberdade de expressão, olhe, não sei o que dizer. Quando me perguntam se eu gostaria de fazer um filme em Hollywood, respondo: se tivesse a liberdade e o respeito que tenho em Cuba, sim, eu gostaria. Sempre fiz os filmes que quis fazer, ainda que não tenha ganho dinheiro. Eu não iria a Hollywood ficar rico se tivesse que me submeter a uma produtora.
O sr. realmente fez todos os filmes que quis e do jeito que quis?
Se eu sei que não posso fazer determinadas coisas de certa maneira, busco uma outra maneira de fazer ou de dar a entender. Faz parte do processo criativo, é assim que se faz em qualquer lugar. Em nenhum lugar do mundo você pode sair à rua e expressar todos os seus sentimentos. Há momentos em que você quer pegar alguém pelos colarinhos, mas quem pode fazer isso? A liberdade não é isso. A liberdade é poder entrar nesse jogo e não se submeter.
Não incomoda não poder votar nem falar tudo o que pensa, por exemplo?
A liberdade de expressão é um jogo, que pode ser mais complexo ou mais simples. No final, porém, quem tem dinheiro determina o que pode ser dito, determina os limites.
Quanto dinheiro o sr. já ganhou?
Nenhum, tenho o mesmo salário de qualquer um.
Essa falta de estímulo não mata a iniciativa das pessoas?
Eu sempre me realizei em outro nível que não o econômico. O que eu fazia completava minha vida. À medida que fazer o que eu gostava significava viver numa sociedade mais justa, estava contente. Mas é verdade que uma vez que isso se rompe, porque as coisas não vão bem, começa-se a não se acreditar nas coisas. Na realidade, agora eu gostaria de fazer um filme em Hollywood ou em outra parte, onde pudesse ganhar dinheiro. Mas só se tivesse liberdade.
Se o sr. tivesse ganho o Oscar, iria a Los Angeles recebê-lo?
Sim. Seria uma boa ocasião para, em meio minuto, dizer algo sobre a tolerância, que é o tema de ``Morango e Chocolate".

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