São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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O ombudsman errou

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Ayrton Senna morreu há 372 dias ao bater seu Williams na curva Tamburello do circuito de Imola, durante o Grande Prêmio de San Marino de Fórmula-1.
Razões econômicas levaram a Justiça italiana a ocultar as investigações e a estender, sucessivamente, o prazo para apresentar as conclusões.
A imprensa procurou romper o cerco do inquérito.
A Folha revelou, em 26 de junho, que um problema mecânico causou o acidente. Teve acesso aos documentos da perícia da Universidade de Bolonha e relatou aos leitores, em primeira mão, que a barra de direção havia quebrado.
A TV francesa TF1 afastou a hipótese de erro de pilotagem, calculando que Senna freou e tentou mudar o trajeto do carro antes de bater.
A Rede Globo mostrou, pela primeira vez, as imagens do capacete -indicando o ponto perfurado no choque.
A revista italiana ``AutoSprint" revelou em janeiro que a barra da direção, alterada a pedido de Senna, rachou exatamente no local de um remendo.
No domingo retrasado, ``Veja" quis dar sua ``contribuição". O resultado foi um desserviço a seus leitores.
A revista camuflou informações divulgadas quase um ano antes pela imprensa brasileira.
Especialmente, apresentou como ``novas" as conclusões da ``AutoSprint".
Infelizmente, um dos leitores fascinados pelo embuste foi o ombudsman da Folha.
Em sua crítica interna da segunda-feira, dia 1º, Marcelo Leite citou a reportagem como exemplo de jornalismo, suposta antítese da cobertura ``chorosa" dos jornais diários.
No mesmo dia, recebeu deste editor uma resposta, acompanhada de algumas das reportagens publicadas pela Folha, por outros jornais e pela ``AutoSprint".
Os textos mostravam que a ``Veja" mentira a seus leitores.
No domingo, no entanto, o ombudsman voltou ao tema. Em sua coluna no Folhão, admitiu ter errado nos elogios. Mas tentou minimizar a picaretagem do semanário brasileiro e garimpar virtudes no emaranhado de decalques.
Para isso, satisfez-se em cotejar o texto da ``Veja" com duas das mais de 20 reportagens da série publicada pela ``AutoSprint" -as duas fornecidas por este editor.
Tivesse pesquisado o assunto um pouco mais a fundo, ou então consultado alguém que acompanhe o automobilismo, não teria cometido novos erros.
Entre eles, o fato de que o Williams registrou desaceleração de 40% antes de bater. A ``novidade" de que Senna freou fora divulgada pela própria equipe 25 dias depois do acidente. Foi destacada na Primeira Página da Folha na edição de 26 de maio. A desaceleração (de 310 km/h para 200 km/h) foi revelada no mês seguinte.
Outra ``novidade" para Leite: a de que a barra da direção fora remendada dois meses antes do GP. O leitor da Folha soube disso em janeiro.
Também seria uma revelação a advertência de Senna, poucos dias antes da corrida, sobre vibrações no seu carro. A notícia estava na Folha de 2 de maio, um dia após a morte do piloto!
Mais: segundo o ombudsman, outro mérito da ``Veja" teria sido o de atribuir a especialistas da Universidade de Bolonha a conclusão de que o asfalto não foi responsável pelo acidente. Em junho, Williams, organizadores do GP, família de Senna e Justiça italiana já haviam descartado a hipótese.
Leite foi além e apontou arrogância dos grandes jornais brasileiros, que não teriam atentado para as pseudo-revelações da ``Veja".
Mas o maior exemplo de arrogância foi dado pelo próprio ombudsman.
Ele poderia ter confrontado os argumentos da Redação, mas não voltou ao tema nas críticas internas. Guardou as conclusões infundadas para alimentar sua coluna dominical.
Seu texto desrespeitou os que têm acompanhado as investigações do caso Senna e, principalmente, aqueles que, como o próprio ombudsman se autodefine, são leitores bissextos do noticiário esportivo.
Poderia acusá-lo de deselegância, por ter usado em sua coluna discussões internas sem consulta prévia à Direção de Redação -como é praxe na empresa. Mas prefiro usar este espaço para tentar reparar o estrago.
Resta apenas um ``furo" a dar sobre o caso Senna: o que acontecerá aos responsáveis pela tragédia em Imola.
Enquanto se busca a resposta, não faz sentido anunciar como ``novas" as conclusões do inquérito conhecidas do público.
Fez melhor jornalismo quem registrou -com tom crítico e distanciado- as manifestações pelo aniversário do acidente.
A morte de Senna provocou a maior comoção popular da história recente do Brasil e foi, provavelmente, a de maior repercussão internacional.
Isso é notícia.

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