São Paulo, quinta-feira, 18 de maio de 1995
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'La Cité' decepciona na abertura de Cannes

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

``La Cité des Enfants Perdus", que abriu ontem o 48º Festival de Cinema de Cannes, sofre da síndrome do segundo filme.
Depois da estréia com ``Delicatessen", era grande a expectativa em torno da obra posterior de seus realizadores, Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro. O sonho que abre o filme não deixa dúvidas: o visual é de ``Delicatessen" mas as pretensões vão muito além. Na entrevista coletiva de ontem, Jeunet tentou desmentir: ``Não nos interessa filosofia. Queremos contar histórias". Seu segundo filme traz a contraprova.
``La Cité..." é uma fábula futurista sobre a violência contra as crianças. Parece um roteiro escrito `a quatro mãos por Julio Verne e Charles Dickens levado à tela por Terry Gilliam de ``Brazil, O Filme". Mister Um (Ron Perlman, o Salvatorian de ``O Nome da Rosa"), um ex-marinheiro que tem seu irmãozinho de adoção raptado.
O garoto vai servir para as experiências de Krank (Daniel Emilford), chefe de um castelo-laboratório dedicado à pesquisa biogenética. Miette, uma orfãzinha que lidera uma gangue de crianças, vai ajudar Mister Um na busca.
O mundo em que tudo acontece é um autêntico inferno ``freak". Krank e todos que habitam seu reino são criações de um cientista desmemoriado, que reencontramos na metade do filme como ``O Escafandrista". Careca e precocemente envelhecido, Krank é incapaz de sonhar -para isso, precisa das crianças que sequestra.
Sua ``mãe" é uma anã. Seus irmãos de tubo de ensaio são uma dúzia de clones do cientista que lhes deu vida, todos vividos pelo histriônico Dominique Pinon.
Fora da ilha fantástica do dr. Krank, os orfãos são explorados por bruxas xipófagas, conhecidas como Octopus, tendo ainda que fugir das garras de Ciclones.
Os diretores Jeunet e Caro apostam no excesso para maquiar seu novo tratamento de um velho enredo (adulto procura criança perdida). Excesso de personagens, excesso de virtuosismo cenográfico, excesso de efeitos especiais (o recorde da história do cinema francês, diz o release para a imprensa).
O descompromisso da comédia surreal de costumes de ``Delicatessen" foi substituído pela necessidade de uma ``mensagem". Mesmo elas não faltam em profusão: crítica ao abuso infantil, condenação às experiências de engenharia genética e o elogio da imaginação
Raros são os momentos em que o filme permite criar a ``gag" pela ``gag", o ponto forte de ``Delicatessen". Quando o faz, num rápido assalto das crianças, redescobrimos o talento prometido.

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