São Paulo, sábado, 20 de maio de 1995
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Marieta Severo quer resgatar sonhos ;Dos 70 aos 90

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

Marieta Severo quer resgatar sonhos
Atriz comemora 30 anos de carreira com montagem da peça `Torre de Babel' e diz que precisa da ilusão
``Existe tesouro maior do que nossas ilusões, do que nossas esperanças?"
A frase é de Latídia de Teran, duquesa de Teran, nobre decadente, louca visionária apesar de cega, e define a espinha dorsal da peça ``Torre de Babel", do espanhol Fernando Arrabal, 62, da qual Latídia é personagem principal.
Esta mesma frase, saída da boca da atriz Marieta Severo da Costa, 49, nos bastidores do novíssimo teatro do Sesc-Copacabana, onde se ultimam os preparativos para a segunda montagem brasileira de ``Torre de Babel", define a história de uma vida, uma carreira de 30 anos, que se completam agora mesmo e que é a trajetória da própria Marieta.
A atriz diz que não tem a intenção de comemorar nada. Seus 30 anos de carreira apenas coincidem, diz, com a montagem do alucinado texto de Arrabal, que estréia na segunda quinzena de junho no Rio, com a parceria com Gabriel Villela, diretor, com o patrocínio pessoal de um banco, o Boavista, e com a inauguração do teatro, uma moderna arena projetada por Oscar Niemeyer.
``Bem, tudo isso junto vira mesmo uma comemoração", admite.
Mas não pode ser uma celebração pessoal, há responsabilidades a exercer, acredita ela: ``Eu queria atuar agora em um texto que causasse impacto e também que combinasse com a poesia cênica do Gabriel. Que tivesse alguma ligação com a história teatral que vem sendo construída nestes 30 anos."
Esta história começou simultaneamente no cinema, no teatro e na TV no ano de 1965.
No cinema, com um filme praticamente desconhecido, ``Society de Baby Doll", de Luiz Carlos Maciel. Neste tempo todo, porém, a atriz passou por 19 outros filmes, como ``Chuvas de Verão", ``O Homem da Capa Preta" e, tremendo sucesso de público e de crítica, ``Carlota Joaquina", a criativa interpretação de Carla Camurati para a ``infância" do Brasil.
No palco, a história de Marieta Severo, casada desde 1966 com o compositor Chico Buarque de Hollanda (com quem tem três filhas), iniciou com um papel em ``Feiticeiras de Salém", de Arthur Miller. A lista toda é um pouco maior que a de filmes (21 espetáculos), com destaque para ``Casamento do Pequeno Burguês", ``Ópera do Malandro" e a premiadíssima ``A Estrela do Lar".
Na televisão, veículo responsável pela fama de que a atriz desfruta hoje, a trajetória de Marieta começou com o teledrama ``Sheik de Agadir" (ela era a princesinha que, à noite, se transformava num misterioso assassino) e teve seu último capítulo recentemente em ``Pátria Minha", novela na qual ela viveu a maldosa e desonesta Loreta. No meio, mais oito novelas e diversos programas isolados. Enquanto estiver em cartaz no teatro não pretende retornar à TV.
Em princípio, poderia indicar uma volta ao passado a escolha de Marieta de um texto tão datado como ``Torre de Babel", que até hoje é identificado como símbolo da resistência intelectual ao autoritarismo, à ditadura.
Mas Marieta descarta de cara esta possibilidade: ``A peça de Arrabal não permite apenas a leitura política. É interessante notar que ainda agora, quando estamos tão próximos do ano 2000, podemos recorrer a esta peça para falar da necessidade do sonho."
A personagem Latídia, vivida por Marieta, lidera uma trupe de destrambelhados, todos eles nomeados por ela como mitos históricos. Mas mitos que têm uma cenexão direta com os preceitos de liberdade, solidariedade, esperança. No mundo surreal criado por Arrabal, mendigos, putas, aleijados, pervertidos e desonestos trafegam metaforicamente ao lado de Che Guevara, Cervantes, Tereza de Ávila, Zapata ou Goya.
Na opinião de Marieta, seu personagem promove na peça -por meio de sua loucura, diga-se- ``o resgate destes mitos, cuja substância foi perdida".
``Eu defendo o sonho", diz a atriz. ``A função do artista é esta, meter a mão nesta coisa essencial do ser humano, que é o sonho e a esperança. Preciso ter esta ilusão: a de que estou resgatando estes valores. Não mais a ilusão ingênua dos anos 70, mas ainda ilusão."
Para quem acredita seriamente que os tempos atuais são absurdamente cínicos, ``pragmáticos e mercantilistas demais", até que Marieta mantém alguma esperança. ``Mas com que armas vamos lutar? Como vamos enfrentar este país cada vez pior, com os jovens mais e mais desarvorados? Não há dúvidas de que a situação política hoje é bem melhor do que no tempo da ditadura. Mas acredito que há muito o que fazer ainda."
E o caminho escolhido por Marieta, aos 30 anos de carreira, é aquele que passa por sonhos e esperanças. Ainda que, para ser entendida, ela paradoxalmente tenha que erguer, no palco, uma torre de Babel.

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