São Paulo, sábado, 20 de maio de 1995
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Todorov aposta no diálogo de culturas

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

O linguista e pensador da cultura Tzvetan Todorov, 55, rejeitou, em sua palestra de anteontem em São Paulo, duas profecias apocalípticas opostas para o próximo milênio: a de uma humanidade homogênea e a de um planeta dividido por tribos hostis.
A palestra, no Espaço Banco Nacional de Cinema, fez parte do evento Banco Nacional de Idéias, que este ano abordou o tema ``Multiculturalismo, Transculturalismo e Sincretismo Cultural".
Com elegância e lucidez, o intelectual francês de origem búlgara limpou o terreno e desdramatizou o debate sobre as relações e conflitos interculturais.
Partindo de um conceito muito amplo de cultura -``são as representações comuns, partilhadas por pelo menos dois seres humanos"-, Todorov rejeitou a idéia de identidade cultural como algo fixo e marmóreo, que o indivíduo tem de carregar como um estigma por toda a vida.
Para ele, cada homem participa ao mesmo tempo de inúmeras culturas: a de seu país, região, religião, faixa etária, profissão etc.
Dessa perspectiva, Todorov disse que não se pode qualificar um homem de ``desenraizado": ``A assimilação dos homens às plantas é ilegítima, pois o homem não é nunca o produto de uma só cultura, e aliás o mundo animal se distingue do vegetal precisamente por sua mobilidade".
Ao dizer que um indivíduo pode se distanciar de sua cultura de origem e aproximar-se de outra, ou combinar as duas, Todorov comentou sua trajetória pessoal.
Búlgaro de origem, em seus primeiros anos na França ele tentou uma assimilação total à cultura francesa, chegando a evitar seus compatriotas; depois, percebeu que jamais seria ``integralmente" um francês.
Concebeu então a idéia da cultura de um indivíduo como uma cambiante sobreposição de ``pertenceres".
Todorov lembrou que os conflitos étnicos, nacionalistas e culturais vieram à tona com força nos últimos anos com o desmoronamento dos regimes do Leste.
A questão hoje, segundo ele, é ``como se dá a coabitação de diversas etnias no interior de um mesmo Estado integrado".
Falando do caso da França, Todorov mostrou como esse é um problema complexo, que envolve questões delicadas de direito, filosofia e política.
Todorov tomou um exemplo eloquente, o do uso de véus por garotas muçulmanas nas escolas francesas.
No início, foi considerado um caso de liberdade individual. Depois, constatou-se que ``outros signos de ordem religiosa apareceram: as garotas se recusavam a participar das aulas de ginástica (para não se desnudar) ou de biologia (para não ouvir falar da sexualidade), os rapazes se recusavam a estudar autores licenciosos (Rabelais, Ronsard...)" etc.
Conclusão: em 1994, uma circular baniu das escolas os ``signos ostentatórios" de convicções religiosas. O uso do véu passou a ser considerado ``uma forma de proselitismo inadmissível no espaço laico da escola".
Todorov contrapôs o modelo francês, que chamou de republicano, ao modelo multicultural, que tem muita força hoje, por exemplo, nos Estados Unidos.
Segundo ele, na França a cultura francesa não é colocada no mesmo plano que as outras. A língua e a cultura francesas são difundidas oficialmente pelo Estado, e é a unidade cultural que garante a igualdade dos indivíduos. A desvantagem disso é a prevalência da maioria sobre as minorias.
No modelo multicultural, ganha força a reivindicação de igualdade não apenas para os indivíduos, mas também para os grupos, para as minorias.
Foi a partir desse traçado complexo de relações entre culturas que Todorov rejeitou os determinismos simplistas e catastróficos: ``Depende de nós que o milênio que começa seja o da xenofobia, dos guetos e dos bodes expiatórios coletivos, ou o do diálogo das culturas", concluiu.
Os debatedores que falaram a seguir, o antropólogo Hermano Viana e o cientista social Antonio Risério, debateram o conceito de multiculturalismo à luz, principalmente, do caso brasileiro.
Viana lembrou que o pensamento brasileiro tem uma tradição ``secular e obsessiva" de lidar com o problema de ``conciliar o elogio do homogêneo com o heterogêneo" e concluiu que, como povo ``reculturado", talvez tenhamos lições importantes a dar.
Risério lembrou que a idéia do ``outro" surgiu com a expansão do Ocidente.
``A antropologia se firmou dizendo-se ciência do homem, mas sendo na prática o estudo do outro", afirmou. Só que hoje esse outro se fragmentou em mil pedaços: ``Para um chinês, o outro pode ser um sueco".
Risério atacou o relativismo exacerbado: ``O diálogo de culturas significa para mim enriquecimento dialético, jamais complacência diante de uma incontrolável profusão barroca de verdades".

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