São Paulo, domingo, 21 de maio de 1995
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Americano foi 'Schindler' dos intelectuais

DONALD CARROLL
DO "THE INDEPENDENT MAGAZINE"

Americano foi `Schindler' dos intelectuais
Varian Fry ajudou a salvar do nazismo escritores e artistas como Marc Chagall, Hannah Arendt e Heinrich Mann
"Um boato percorreu os cafés", recordou o escritor tcheco Hans Natonek. "Diziam que havia chegado um americano com dinheiro e vontade de ajudar (...) Diziam que ele tinha uma lista..."
Varian Fry, o americano em questão, chegou em Marselha, no sul da França, em agosto de 1940 e, de fato, trazia uma lista.
Durante os 12 meses seguintes o jovem magro, de óculos e aparência de almofadinha, seria responsável por uma das mais audaciosas operações de resgate realizadas durante a Segunda Guerra Mundial -o resgate e transplante em massa da "intelligentsia" de um continente a outro.
Foi uma proeza que Laura Fermi, ela própria uma refugiada respeitada e mulher do grande físico Enrico Fermi, descreveria mais tarde como "fenômeno único na história da emigração".
Fry não parecia ser a pessoa perfeita para essa tarefa.
Nascido em 1908, filho de bem-sucedido corretor da Bolsa de Nova York, foi uma criança doentia que se transformou em linguista de talento, com paixão especial pelo latim -e um dom para antagonizar-se com qualquer um que via como seu inferior intelectual.
Em 1926 foi estudar em Harvard, onde cultivou um lado excêntrico (só comia sanduíches com garfo e faca) e um estilo dândi de se vestir (sempre levava uma flor na lapela e um lenço de seda saindo do bolso do peito).
Fry deixou Harvard da mesma maneira que entrara, sem amigos -com uma única exceção. No seu último ano na universidade, conheceu Eileen Hughes, editora do "Atlantic Monthly", uma mulher doce e maternal sete anos mais velha do que ele.
Casaram-se em 1931. Depois de se mudar para Manhattan, Eileen começou a lecionar inglês e Fry tornou-se editor-assistente da revista "Scholastic".
Em 1935, aos 27 anos, recebeu a oferta do cargo de editor da prestigiosa revista de assuntos internacionais "The Living Age".
Mas havia uma condição prévia: Fry teria que ir a Berlim para ver em primeira mão o que estava acontecendo sob o Terceiro Reich (como era chamado o regime da Alemanha nazista).
Ele foi, viu e voltou com uma causa: alertar os EUA sobre as intenções de Adolf Hitler. Mas seus avisos foram ignorados.
Em 1939, a Alemanha invadiu a Polônia e Fry, com o emigrado austríaco Karl Frank começou a levantar fundos para trazer refugiados do nazismo para os EUA.
Mas quando a França se rendeu à Alemanha, em junho de 1940, e o governo colaboracionista de Vichy foi formado, Fry percebeu que isso não bastava.
Não apenas os judeus franceses corriam um risco aterrador às mãos de seu próprio governo, como também milhares dos mais respeitados escritores, artistas e intelectuais da Europa, que haviam fugido para o sul da França desde a chegada de Hitler ao poder.
Varian Fry anunciou que se ninguém mais fosse ajudá-los, ele iria. Assim, primeiro convenceu o Departamento de Estado (o Ministério das Relações Exteriores dos EUA), que não aprovava a idéia de americanos viajarem à Europa, a lhe fornecer um passaporte.
Depois persuadiu a ACM (Associação Cristã de Moços) a lhe dar uma carta de apresentação identificando-o como integrante de uma organização humanitária.
As autoridades francesas não aprovavam a idéia de alguém entrar na França sem ter algum tipo de trabalho oficial a fazer no país.
Ele interrogou pessoas recém-chegadas da Europa sobre as condições reais vigentes na França sob o governo Vichy.
Falou com Eleanor Roosevelt, mulher do então presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, obtendo garantia a de seus esforços, especificamente junto aos cônsules americanos na França.
Conversou com Thomas Mann, Jacques Maritain, Reinhold Niebuhr, Jules Romains e muitos outros, que lhe deram nomes de pessoas que ele iria tentar salvar dos nazistas, de alguma maneira.
Varian Fry chegou em Marselha no dia 15 de agosto de 1940, depois de viajar de trem desde Lisboa. Trazia duas malas de roupas, uma lista de várias centenas de nomes e US$ 3.000 em dinheiro, presos à perna com fita adesiva.
Era preciso entrar em ação; o zelo colaboracionista das autoridades francesas se mostrava maior do que Fry previra.
Para os que corriam o maior perigo se permanecessem, solicitar um visto já bastava para garantir prisão imediata, internamento num campo de concentração e, em última análise, deportação para a Alemanha. Após contatos iniciais, Fry em pouco tempo conseguiu falar com a maioria das pessoas da lista.
Na realidade, o sistema clandestino de comunicação entre os refugiados era tão eficiente que a maioria encontrou Fry antes que ele tivesse tempo de procurá-los.

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