São Paulo, domingo, 28 de maio de 1995
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Usineiros destroem casas e criam favelas

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MACEIÓ

Usinas e fazendas de cana de Alagoas e Pernambuco demoliram 90 mil casas de trabalhadores nos últimos quatro anos, segundo estimativa feita pelas associações e sindicatos dos produtores rurais dos dois Estados.
O fenômeno, que atinge toda a região canavieira do Nordeste, é atribuído pelos usineiros aos custos da equiparação dos trabalhadores rurais aos urbanos, estabelecida pela Constituição de 1988.
O pagamento à Previdência, desembolsado pelos empregadores, que equivalia a 2,5% do valor da safra, passou a ser de 8% do salário do empregado, como acontece na produção urbana.
``A destruição das casas é uma loucura, mas foi a lei trabalhista que criou isto", diz o presidente do Sindicato dos Usineiros de Alagoas, Jorge Toledo, 34.
As demolições têm um objetivo: remover trabalhadores que moram em casas no interior das propriedades, evitando uma situação que caracterizaria vínculo empregatício e, portanto, pagamento de encargos trabalhistas.
O passo seguinte é recontratar a mesma mão-de-obra na categoria de bóia-fria, ou seja, trabalhador temporário que recebe apenas durante a duração da safra (seis meses). É a forma geralmente adotada pelos produtores de São Paulo.
As estimativas dos produtores são de que 50 mil casas já foram destruídas na zona canavieira de Pernambuco e 40 mil na de Alagoas -avaliação tida como ``real" pelo governador alagoano, Divaldo Suruagy, do PMDB.
Para se ter uma medida do que esses números significam, basta dizer que a Cohab (Companhia de Habitação) de Alagoas construiu, ao longo de seus 29 anos de existência, 23.034 casas populares.
As demolições vêm contribuindo para aumentar o déficit habitacional de Alagoas e Pernambuco -cerca de 900 mil casas, segundo dados oficiais de 91- e têm reflexo perverso nas cidades.
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Alagoas demonstrou que a mudança nas relações de trabalho rurais aumentou o processo de favelização, a violência, a mortalidade infantil e a desagregação cultural das populações atingidas.
A produção de açúcar na Zona da Mata registrou, em sua última safra, 43 bilhões de toneladas de cana, gerando um faturamento de US$ 1,1 bilhão para usinas e destilarias. A produção no Nordeste equivale a um terço da produção do centro-sul do país.
As 40 mil casas demolidas em Alagoas totalizam cerca de 2 milhões de metros quadrados de área construída. Isto significa R$ 420 milhões (metade da receita do Estado prevista para 95), considerando-se que a Cohab-AL calcula em R$ 210 o metro quadrado construído em habitações populares.
As usinas fazem a demolição frequentemente com o trabalho dos próprios moradores expulsos -que em alguns casos ficam com sobras de tijolos, telhas e madeira, utilizadas para construção de uma nova casa na cidade mais próxima.
Com isso, os chamados ``arruados", como são conhecidas as pequenas vilas localizadas nas fazendas, dão lugar a ruínas.
``Se a lei trabalhista não mudar, só vai restar a casa do administrador da fazenda", disse o deputado estadual João Caldas (PSC), ex-secretário de Agricultura de Alagoas.
O arcebispo de Maceió, d. Edivaldo Amaral, da ala ``conservadora" da Igreja Católica, classifica de ``injusta" a derrubada das casas: ``Tenho apelado ao sentimento cristão dos usineiros para que eles esqueçam essa iniquidade, mas não estou sendo ouvido".
O prefeito de Maceió, (PB), Ronaldo Lessa, reclama: ``Estão jogando todas estas pessoas aqui e não temos como resolver a situação". Maceió tem hoje 120 favelas, diz a prefeitura. Em 1991, eram 49, de acordo com o IBGE.
A reportagem da Agência Folha percorreu 1.348 km e 38 fazendas de produtores rurais pertencentes a nove usinas de Alagoas e sul de Pernambuco.
Apenas uma propriedade, a usina Catende, em Pernambuco, não tem sinais de demolição: a Catende está há dois meses sob intervenção do governo pernambucano.
Há dois anos, seus proprietários decidiram demitir 2.300 trabalhadores para tentar tirar a usina de uma crise financeira. Sofreram uma ação trabalhista conjunta e a Justiça, no início de 1995, determinou a venda de 2.300 hectares de terra para pagamento de indenização aos trabalhadores.
A usina pernambucana, que já foi a maior do nordeste, tem dívidas de U$ 80 milhões -dos quais US$ 40 milhões com o Banco do Brasil. É o dobro do valor de seu patrimônio. A usina está com falência requerida.

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