São Paulo, sexta-feira, 2 de junho de 1995
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A decisão da guerra

JANIO DE FREITAS

A saída de Persio Arida é um fato que não cabe em si mesmo. É um acontecimento maior do que o fato, com certeza o primeiro acontecimento de grande importância produzido pelo governo de Fernando Henrique Cardoso: o afastamento de Arida exprime a vitória, com rapidez assombrosa, dos interesses político-partidários na guerra quase sigilosa que declararam à administração do Plano Real por critérios técnicos. Ou, o que dá no mesmo, na guerra contra a primazia até aqui dada ao combate à inflação.
Para que este acontecimento fosse possível, operou-se uma reviravolta radical na atitude de Fernando Henrique. Desde que assumiu o ministério da Fazenda, há exatos dois anos, pôs-se como paladino da supremacia de critérios estritamente técnicos sobre os de natureza política até os sociais. Dos resultados desta postura, aí sim, extraiu as ações políticas. Agora inverteu a postura deslocando a supremacia dos objetivos técnicos para a política. E foi isso que levou ao afastamento de Arida.
Dos ``motivos apenas pessoais" ao voluntarismo e do choque com Covas à reação empresarial contra os juros, as divulgadas motivações para a substituição de Arida podem ter, todas, alguma contribuição para o fato. Mas que qualquer delas tivesse relevância, a ponto de ser determinante, já é outra questão. Há mais do que aparece ou parece existir na superfície. Como nos vulcões apenas fumacentos, o fogaréu crepitou por baixo.
Encabeçado pelos governadores peessedebistas, no começo de maio começou a articular-se um grupo de pressão para que o governo reconsiderasse a obrigação dos Estados de pagar, anualmente, 11% da sua dívida com o governo federal, da ordem de R$ 17 bilhões. São Paulo, devedor de mais da metade deste total, Ceará, Rio Grande do Sul, Maranhão, Rio, Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia e Piauí, principalmente, propuseram o estudo de um novo sistema de rolagem. Em reunião com Fernando Henrique no dia 23, representantes de alguns destes Estados obtiveram dele o compromisso de complacência, por parte do Ministério da Fazenda, com os descumpridores do acordo de pagamento.
Aquele acordo de pagamento, que teve notório custo político para o então presidente Itamar, foi exigido pelo próprio Fernando Henrique quando ministro da Fazenda, por ser fundamental para as finanças federais e para o novo relacionamento financeiro entre os governos federal e estaduais. A violação do acordo suscitou a imediata oposição de Pedro Malan e Persio Arida. Às razões técnicas, Fernando Henrique opôs e impôs motivos políticos. O Banco Central e o Tesouro deviam iniciar logo o estudo para dar forma à concessão.
Privatistas inflexíveis em relação ao patrimônio federal, a ponto de considerarem punição e mesmo exclusão dos seus oito parlamentares não-radicais na matéria, os peessedebistas são antiprivatização quando se trata do patrimônio dos respectivos Estados. O governador Mário Covas foi, assim, apenas uma parte da frente montada contra a privatização de bancos estaduais. A parte que apareceu.
Também no Rio Grande do Sul, com a participação do ultraprivatista Antonio Britto (peessedebista ainda disfarçado de peemedebista), no Rio e onde quer que o PSDB governe, os peessedebistas articularam-se contra a privatização considerada indispensável por Arida, por outros do Plano Real e, até há pouco, também pelo Fernando Henrique ministro e candidato. O Fernando Henrique presidente, porém, passou a considerar que motivos políticos prevalecem sobre a opinião dos gestores do Plano (o projeto de reeleição está na pauta das reformas constitucionais).
De permeio, entram o problema dos juros e outros, mas a mudança de atitude em relação às dívidas e aos bancos estaduais bastou para tornar incompatíveis a fidelidade rigorosa de Arida aos alicerces projetados para o Plano Real, ou para o combate à inflação, e a nova postura do governo.
O afastamento de Arida não se encerra neste fato, portanto. E não só por ser o último formulador das políticas do Plano que se mantinha no governo. Na mesma medida, e talvez sobretudo, pelo que prenuncia a nova postura, em que os critérios técnicos submetem-se aos motivos políticos.

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