São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Eventos de 31 de maio

OSIRIS LOPES FILHO

31 de maio concentrou duas datas significativas no calendário de eventos nacionais. Uma delas consistiu no dia dedicado ao combate ao fumo.
Devo confessar que procurei dar a minha modesta contribuição a essa nobre causa, que procura preservar o meio ambiente e manter limpos os nossos pulmões, já intoxicados pelos gases poluentes dos automóveis, queimadas das florestas, poeira das cidades abandonadas pela limpeza pública, putrefação de alguns negócios públicos e uma parafernália de poluição provocada pelas indústrias situadas nesse nosso pedaço do Terceiro Mundo chamado Brasil, que mais se preocupam em produzir do que evitar a degradação do meio ambiente, com processos civilizados de contenção dos gases, cinzas, cheiros desagradáveis e outros detritos lançados ao ar, que infelizmente não sei nominar -embora tenha íntima familiaridade com eles, pois pelo país afora, infelizmente os venha absorvendo há longo tempo.
Peço perdão ao leitor pelo longo período, mas também é longo o período que estou sendo submetido a essa poluição ambiental a que solidariamente é submetida a maioria dos residentes no país.
Dizia eu que procurei dar a minha colaboração a essa benemérita campanha. E o fiz em função da minha capacidade contributiva. Fumei quatro maços de cigarros Hollywood. Três maços consistiram numa contribuição espontânea e natural à campanha antifumo. A idéia é a de que, consumindo cigarros adicionais, já que sou inveterado e irrecuperável tabagista, evito pelo meu consumo extra que algum desavisado possa ter a oportunidade de apoderar-se desses cigarros e utilizá-los. Cada um contribui como pode. Esse foi o meu jeito de colaborar. Diminuir a oferta existente.
Bem, não esclareci a causa do consumo do quarto maço. Aí, chegamos ao outro evento deste 31 de maio, graças a Deus, já superado na folhinha gregoriana. A ansiedade que poderia ter tido pela data final da entrega da declaração do Imposto de Renda.
Esse estado nervoso, que insidiosamente contamina grande parte do contribuinte brasileiro, foi por mim se não evitado, pelo menos minimizado, graças ao consumo de um maço marginal de cigarros.
E aí entro no assunto que considero de meu ofício abordar: a tributação.
Alguns economistas, a propósito da reforma tributária, insistem na tese de que se deve adotar um imposto de base ampla, que alcance o maior número possível de contribuintes.
Imposto de base ampla no país é o ICMS, que incide sobre as vendas em geral e as prestações de serviços de transporte intermunicipal, interestadual e internacional e comunicações.
O Imposto de Renda da pessoa física realmente só na teoria tem largo alcance, uma vez que a renda está altamente concentrada no país. E o que se tem efetivamente tributado é a renda proveniente do trabalho. A do capital, volátil por natureza, tem tido pouca expressão na arrecadação do tributo.
O problema central a ser abordado num processo de reforma tributária é a evasão. 50% da base tributária dos impostos deixaram de ser arrecadados em face da ocorrência da evasão.
Alterações na Constituição, sem que haja aperfeiçoamento da administração tributária, no controle dos contribuintes através da informática, no seu melhor aparelhamento de meios materiais e de recursos humanos, vão constituir mais um exercício normativista dentre os muitos que têm sido feitos no país e que consistem na especialização em que a nossa tecnocracia tem-se esmerado em produzir, na sua vocação legislativa, apreendida nos tempos da ditadura militar por meio dos decretos-leis.
Esses exercícios quando muito podem aumentar a longevidade de nossa tecnocracia, se se acreditar que quaisquer exercícios físicos ou mentais possam fazer bem à saúde.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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