São Paulo, domingo, 4 de junho de 1995
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Ordem e progresso?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A idade avança para todos, inclusive para a d. Joaninha, minha velha amiga desde os tempos de ginásio. Depois de lecionar durante 40 anos e de acumular tantos problemas de artrite e de coluna, ela jamais imaginava que, a essa altura da vida, teria de sair de casa com um bujão de gás nas costas à cata de outro cheio.
O pior é que, depois de ter enfrentado três horas de fila, acabou recebendo uma senha para voltar mais tarde, tendo de carregar o mesmo bujão, ida e volta, para casa e para o depósito. No dia seguinte, foram mais três horas... Ainda bem que conseguiu o gás e também uma carona.
No telefone, ela estava irritadíssima. De início, fiquei surpreso, pois, aqui entre nós, a Joaninha sempre gostou de filas, onde pratica o agradável esporte de jogar conversa fora. Entendi a sua fúria, porém, contra certos dirigentes sindicais que se puseram acima do bem e do mal ao dizer que a Justiça do Trabalho tinha sido injusta e, por isso, as suas sentenças não deviam ser levadas a sério. No seu destempero, ela comparou os referidos dirigentes aos que estão enterrados há milênios nas tumbas do Vale dos Reis, lá no Egito, relembrando as lições sobre múmias, fantasmas e cadáveres que tanto fascinaram seus alunos do curso primário.
O descumprimento de duas sentenças judiciais e o enterro simbólico dos ministros do TST foram, sem dúvida, demonstrações de grande provocação por parte dos grevistas. Não entro no mérito do impasse, pois jamais tive a pretensão de julgar as pessoas. Tampouco estou aqui para endossar os procedimentos adotados pelo governo naquela lamentável reunião de Juiz de Fora. Mas não há como negar o papel da Justiça como instituição organizada pelos povos civilizados com a finalidade de garantir e restabelecer a ordem.
Se os petroleiros tomaram as sentenças como injustas, a própria Justiça tem suas portas abertas para reclamações, apelações e recursos. O que não tem cabimento é desrespeitar e desafiar o Judiciário, pois quem assim procede deseja, no fundo, derrubar a democracia e não os juízes.
Procurei acalmar a Joaninha. Afinal, toda a população brasileira sofreu de maneira calada e silenciosa, dando uma fantástica demonstração de tolerância e patriotismo. Ela acreditou que, mais dia menos dia, o bom senso voltaria a gerenciar o funcionamento dos neurônios dos que se insurgiram contra a instituição mais essencial da democracia. Disse a ela que erros existiram dos dois lados, a começar pelo primeiro que estabeleceu um acordo inviável. Pedi a Joaninha que fosse compreensiva, pois o referido acordo foi realizado com o juiz de fora...
Nada, porém, pode justificar a desobediência à lei e à Justiça. Que a greve sirva de lição para todos os lados. Agora, é hora de se apurar as responsabilidades. Isso também faz parte da democracia. Quem deseja ser respeitado precisa começar respeitando. Afinal, o nosso lema é ordem e progresso.

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